top of page
Foto do escritorDanilo Heitor

A ficção científica e as heterotopias

Danilo Heitor













Esses dias, em alguma leitura que já não lembro qual, topei com o conceito de heterotopia: nas minhas palavras, ou na minha interpretação, uma forma de utopia dentro do agora, do real, do cotidiano. Fui pesquisar mais sobre o tema e descobri um conceito interessantíssimo para pensar a nossa — ou, pelo menos, a minha — relação com a ficção científica.


O termo, cunhado pelo filósofo francês Michel Foucault, remete a lugares físicos ou mentais em que as regras não são as mesmas do dia a dia. A primeira imagem que me veio à cabeça foi a dos Racionais MC’s cantando:



Isso remetendo à ordenação social diferente dentro do Carandiru. Continuei minha pesquisa e não imaginei longe da obra de Foucault, que escreveu sobre o termo ao produzir sua extensa obra sobre as prisões.


Ilustração de Josan Gonzalez

Onde a ficção científica entra nisso tudo? Talvez a relação que me surgiu seja óbvia demais, e com certeza extensível a qualquer obra de ficção, especulativa ou não. Mas o conceito de heterotopia me pareceu muito íntimo às ideias de distopia e de utopia na ficção, os futuros imaginados para pior ou para melhor. Em grandes catástrofes, como qualquer obra de guerra entre humanos e máquinas ou com uma grande invasão alienígena, surge uma heterotopia, onde as relações de poder mudam, a subjetividade é completamente alterada (a própria ideia do que é ser humano é colocada em perspectiva) e há um objetivo específico: sobreviver, ou vencer a ameaça colocada. Alcançada essa meta, há obras em que a ordem social anterior é reestabelecida, e outras em que ela é substituída. Um exemplo de cada, mas poderíamos imaginar muitos: Independence Day (retorno) e Station Eleven (nova ordem social).


Não é nenhuma novidade o debate sobre como a ficção científica é um exercício de discussão sobre as questões do nosso tempo. Utopias e distopias são sempre projeções no futuro de desejos, vontades, medos e fantasias de agora. Talvez a heterotopia possa nos fornecer um caminho de projeção de outro agora no agora. Em outras palavras: fiquei com vontade de imaginar e escrever sobre heterotopias hoje, e não num amanhã longínquo. Não é uma ideia tão distante: podemos encontrar heterotopias mil ao nosso redor — uma rave, uma manifestação política, um levante indígena no sul do México, uma revolução feminista no norte da Síria. Talvez não seja também nada nova — estamos saturados de obras distópicas que se passam no (quase?) agora. Mas as leituras sobre heterotopia me deixaram desejoso e pensativo sobre histórias contemporâneas (ou quase) que sejam minimamente esperançosas.


Se é difícil pensar num amanhã melhor em tempos de apocalipse climático, genocídio palestino e curdo, tensão pré-guerra global na Europa, imaginar um mundo melhor hoje parece impossível. Exatamente por isso fiquei instigado com a ideia: há gente demais, movimentos demais, coletivos demais tentando sem serem notados, apoiados, reforçados. A literatura e a ficção científica tem potencial suficiente para ajudar a disputar esse imaginário.


E você, já imaginou alguma heterotopia contemporânea? Como ela seria? Já viveu uma? Como ela foi?


Aproveitemos para fazer do espaço de comentários desta coluna uma pequena heterotopia.

62 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Коментарі


bottom of page