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Foto do escritorStella D'Avansso

A monstruosidade na Ficção Científica

Stella D'Avansso










De repente, sua rotina comum é interrompida pelos alertas em todos aparelhos de comunicação e pelas ruas da cidade. Uma nave espacial nunca antes vista pousa na quadra do seu quarteirão. Todos os moradores correm até o local e podem dar uma boa olhada no alienígena. Como você o imagina?


Imaginar a "monstruosidade" é um desafio constante para a Ficção Científica, já que a figura do monstro está intimamente entrelaçada aos parâmetros morais e estéticos da sociedade que o produz. Imaginar o monstro é excluir a sua imagem do que "belo" simplesmente para colocá-la em outra categoria.


Não é exatamente papel da Ficção Científica definir o que é grotesco ou monstruoso, apenas usar das representações para aludir ao monstro ou questionar as instâncias moralizantes que o definem. Nesse sentido, o grotesco aparece em Immanuel Kant (1764) como uma experiência estética legítima e não se trata de uma imoralidade, mas de uma extravagância não recomendada, encontrada nas culturas de outros povos, conforme o autor.


Vale lembrar que a palavra "alienígena" vem do latim "alienus", que significa "estranho, estrangeiro".

Ilustração de Henrique Alvim Corrêa, 1906
Ilustração de Henrique Alvim Corrêa, 1906

A ilustração do brasileiro Henrique Alvim Corrêa para o livro A Guerra dos Mundos de H. G. Wells, representa um monstro, uma figura estranha, estrangeira e alienígena, que ataca os seres humanos com seus tentáculos, armas e aparelhos grotescos. O livro marcou a Ficção Científica e definiu a forma com que livros e filmes posteriores trataram os primeiros contatos com os aliens (ou aqueles que vêm de fora).


No 5º capítulo da primeira parte de A Guerra dos Mundos nos é apresentada a imagem monstruosa dos marcianos invasores. O observador narra todos os horrores em primeira pessoa, o que torna o leitor quase empático diante do fato assustador da estranha cor da pele verde dos marcianos. Após defini-los como "homens" (não terráqueos, mas homens), é cursiosa essa declaração sobre a cor de suas peles, antes das demais descrições. Em seguida, os movimentos dos corpos daqueles seres é motivo para o susto da multidão. Por fim, são suas marcantes e estranhas características fenotípicas destacados que os definem como monstruosos.


Fica evidente que o grotesco é a representação das alteridades e, principalmente, simbolicamente pode significar nas narrativas qualquer povo que não faz parte da normatividade das pessoas que contam a história, principalmente (no sentido clássico do significado da palavra alienígena), para se referir ao estranho à uma determinada cultura. Apesar da representação eficaz do grotesco a partir de uma descrição bem feita e suficiente, como é presente na obra de Wells, é marcante o uso da monstruosidade como representação do mal.


Se não é papel da ficção definir o que é grotesco, pode ser seu papel ressignificá-lo. O símbolo do monstro está presente na maior parte das histórias de Ficção Científica, mas não são todas que discutem os símbolos que esses personagens carregam. É importante repensar as nossas relações com o "outro" na sci-fi, porque diferente do que Kant dizia, algum dia você pode ser o "monstruoso" e alienígena de alguém.


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2 Comments


Bianca Lais
Bianca Lais
Sep 24, 2024

Incrível reflexão, Stella. Me fez pensar bastante nas motivações de Lovecraft para escrever suas histórias de horror, nada além de transformar em "monstro" tudo o que era diferente e o apavorava.

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Volnei Freitas
Volnei Freitas
Sep 14, 2024

Ótima pegada, Stella!

Assim como bárbaros são os não-romanos, a especulação, seja na ficção, na fantasia ou no terror, pode nos oferecer subsídios à observação do mundo, para além do escapismo.


Quem são nossos monstros? No cinema Hollywoodiano, foram os japoneses na década de 80, os chineses desde a virada do século. Transfigurado em vilões ante a pretensão de eterna dominância de uma sociedade de consumo.


Em Aliens, no xenomorfo podemos encarar a ganância infindável, a reprodutibilidade infinita e a morfogênese do capital especulativo.


Ótima reflexão, obrigado ;-)

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