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Foto do escritorFelipe Souza

A reinvenção técnica do found footage em "Assim na Terra Como no Inferno"



Uma das características mais tradicionais do terror no cinema é a sua frontalidade, ou seja, sua capacidade de se comunicar diretamente com um dos instintos humanos mais primitivos: o medo. 


Os famosos jumpscares, que são utilizados desde os anos 1940 por Hollywood em filmes como Sangue de Pantera (1942) de Jacques Tourneur, e a violência gráfica, como nos slashers, são alguns dos recursos mais básicos para se empregar este “terror frontal”. Para o found footage, tal elemento torna-se narrativo. Ao estabelecer a câmera como um elemento diegético da encenação do filme, é possível estabelecer um novo valor de frontalidade com o que é exposto na imagem, como se tudo aquilo visto fosse, de fato, documental.


Antes de introduzir o filme citado, tomemos como exemplo A Bruxa de Blair (1999), dirigido por Daniel Myrick e Eduardo Sánchez. Um filme que, ciente do seu potencial, trabalhou a mise-en-scène (composição sonoro-imagética do filme) desde seu marketing como uma compilação de fitas reais que sugerem o sobrenatural. Porque, afinal, nada é mais assustador do que a realidade. A aparência caseira e informal provida pela filmadora apenas intensificara a relação do espectador com a imagem; e o sucesso deste filme gerou uma tendência unificada no subgênero em que todos os subsequentes found footage queriam ser a Bruxa de Blair.


É nesse sentido que abordo aqui Assim na Terra Como no Inferno (2014), dirigido por John Erick Dowdle, uma modernização do found footage que busca romper com muito da estilística pré-estabelecida. 


No longa, um documentarista acompanha uma antropóloga e um grupo de arqueólogos em busca de um tesouro perdido. Para isso, exploram o desconhecido labirinto de ossos nas catacumbas abaixo de Paris. Desde a sinopse, o acaso dá lugar à premeditação: não se trata mais de "fitas perdidas", mas sim do material bruto de um cineasta, portanto, cinematicamente profissional. A imagem é mais polida e nítida, o sobrenatural se torna mais explícito aos olhos e precisa ser mais incisivo se quiser manter-se assustador.


A maior inovação talvez esteja em um elemento que, para a maioria dos blockbusters, não é problema algum: o número de câmeras. Eu citei acima, leitor, que a câmera no found footage torna-se elemento diegético, ou seja, torna-se existente dentro da narrativa. O que por um lado potencializa o terror pela suposição de uma realidade do filme, por outro traz diversas limitações, como o pouco uso de músicas e efeitos sonoros, e claro, a impossibilidade de se realizar alguns tipos de planos.


Enquanto em A Bruxa de Blair não há nenhum diálogo com plano e contraplano (até porque seria narrativamente impossível), o longa de 2014 permite, por meio da evolução tecnológica, que cada personagem possua sua própria câmera, uma ampliação dos horizontes da encenação que nos permite ainda mais intimidade com os dramas e angústias dos personagens. A música também torna-se aqui um elemento presente, uma vez que não explicitada se ela existe pelo sobrenatural ou pelo fato de estarmos vendo as gravações de um filme, a direção brinca com a dubiedade da mise-en-scène proposta para incorporar mais este elemento clássico do cinema.


Não tentei ao longo deste texto defender Assim na Terra Como no Inferno como melhor ou pior do que seus semelhantes, mas mostrar como a realização de um filme está intimamente ligado à sua época, suas tecnologias, zeitgeists e mazelas. Não haveria Assim na Terra Como no Inferno se não fosse por A Bruxa de Blair, afinal, é preciso que se estabeleça uma forma de realização para que ela possa ser repensada futuramente. 


Toda arte possui técnica e toda técnica nada mais é do que uma limitação de seu tempo. Haverá um dia em que o found footage será recriado de forma ainda mais radical e alguém precisará voltar nessa coluna aqui e comentar isso com vocês. Até lá, peço humildemente que se contentem com o que nosso tempo é capaz de prover, e de forma alguma, entrem em catacumbas, não importa de onde sejam.



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3 Comments


Excelente texto e análise. Já assisti a Bruxa de Blair a muito tempo e pretendo assistir Assim na Terra Como No Inferno.

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Sem catacumbas, prometo! Assistido filme há alguns anos e o achei aterrador pela sua caracterização, sua "pele de realidade". Interessante conhecer os desdobramentos técnicosde sua realização e, ainda mais, a presença do contexto dexnosso tempo. Texto incrível, parabéns, Felipe!

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Guest
Jul 18

muito bom!!! amei

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