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Foto do escritorAkihito Sato

Ainda Estou Aqui: O direito à memória

Akihito Sato











O longa do diretor Walter Salles, Ainda Estou Aqui,  baseado no livro homônimo do escritor Marcelo Rubens Paiva, retrata não somente a atmosfera de um país sob a sombra do autoritarismo como também a angústia da perda e a luta pela memória. 


Na pele de Eunice Paiva, Fernanda Torres carrega o filme com a sutileza e o peso emocional de uma mãe de cinco filhos que tem o marido, Rubens Paiva (Selton Mello), sequestrado pela ditadura militar brasileira enquanto também enfrenta a doença de Alzheimer. A obra absorve toda a estética de um Brasil que apesar de colorido em meio a década de 70, era controlado por um regime opressor.


A passagem de uma família que buscava construir raízes em um Rio de Janeiro vigiado, é retratada fisicamente na imagem do ex-deputado do PTB e engenheiro, Rubens Beyrodt Paiva. Por outro lado, também era a instabilidade de lutar contra um regime que alastrava como erva daninha. A luta de Paiva era marcada por fornecer informação, contatar às famílias daqueles que desapareceram, a luta em manter a memória dessas pessoas viva, até o momento em que a sua própria foi posta em cheque. 


Quando Paiva foi dado como desaparecido em meio a um suposto depoimento de rotina, Eunice toma a luta para si, de investigar o paradeiro do marido. As sombras do Brasil autoritário, o conflito em proteger sua família e enfrentar um Estado que escolhia o poder acima da verdade. E essa escolha, já foi tomada outras vezes, George Orwell em seu livro 1984, já relatava que o poder estava em “despedaçar as mentes humanas e juntá-las novamente em novas formas de sua escolha”.


Essa escolha de despedaçar o espírito, é o que Walter Salles diretor de filmes como Central do Brasil e Cidade de Deus, trouxe em uma atmosfera sóbria e crua, toda a angústia, o horror e o peso de cenas de tortura, de métodos de despedaçar a mente dos brasileiros e brasileiras que de algum modo iam contra a ditatura. Eunice Paiva surge como uma protagonista que lutava em duas frentes, a luta pela memória do marido e a luta pela sua própria.  


Em contraponto à solidez da repressão da época, podemos enxergar na fotografia e na filmografia os simbolismos da resistência da memória familiar dos Paiva. A fotografia e as gravações que correm é uma forma de luta contra a perda da memória, uma maneira de prender o tempo e as felicidades e de se agarrar à única lembrança daqueles momentos. Em uma das cenas mais emblemáticas, Eunice e sua família serão fotografadas para um jornal que noticiará sobre o sumiço repentino de Rubens, em contrassenso a tristeza da perda, a família sorri. Pois, esta deveria ser lembrada como uma memória de luta e não de perda.  


Em Ainda Estou Aqui, Walter Salles trabalha com esse simbolismos durante todo o filme e de forma orgânica, as filmagens que a filha de Eunice faz, as fotografias reveladas que deveriam ser organizadas, a marcante entrevista às emissoras, e a atuação silenciosa, mas poderosa de Fernanda Montenegro em frente à televisão. Mais do que elementos, são poderosos símbolos que lutam contra a perda da memória, mas também contra o tempo.

E o tempo surge como algoz e com o fim do regime, Eunice busca seguir em frente na sua luta pela memória do marido, o que só conseguiu 25 anos depois, em 1996, com a certidão de óbito de Rubens Beyrodt Paiva. O filme mais do retrata um Brasil que poucos conhecem e que tanto se fala ser desmemoriado, é uma alerta para que histórias como de Eunice e de Rubens não sejam apenas “memória de um tempo onde lutar por seu direito [...]É um defeito que mata”, como cantada pelo, compositor, cantor e crítico à ditadura, Gonzaguinha. 


O filme é o nome que irá defender o Brasil no Oscar 2024 em várias frentes e desde sua estreia se tornou o filme com o maior número de espectadores do diretor desde Central do Brasil (1998) com 1,7 milhões em público até o momento. O longa, Ainda Estou Aqui reafirma a presença de muitas pessoas desaparecidas na ditadura militar e que essa memória é um direito que não deve ser esquecido e que os erros daquele tempo não podem ser repetidos.

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1 Comment


Matheus Maciel
Matheus Maciel
há 4 horas

Desde que eu li 1984, sempre penso nessa ideia da "remontagem" em cenas ou menções de tortura. A Eunice fala sobre não poderem destruir nosso espírito, mas as ditaduras sempre podem. E vão.

Na cena do banho, é tão desolador ela digerindo a angústia da tortura. Deve ter dado, para quem viveu a época e experimentou interrogatórios, uma sensação de que nunca ia acabar.

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