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Dossiê Warren: capítulo 1

Nathália Bonfim











Edward "Ed" Warren Miney (1926-2006) e Lorraine Rita Warren (1927-2019) devem ser, provavelmente, o casal mais emblemático quando falamos de investigação sobrenatural. 

Eles estavam lá, depois que Ronald DeFeo Jr. matou toda sua família em Amityville, quando a família Perron sofreu com as assombrações de uma bruxa em Rhode Island, e quando Arne Cheyenne Johnson foi acusado de matar seu senhorio, Alan Bono, alegando que “O Diabo o fez fazer tal ato”, em Connecticut.


Eu, particularmente, conheci o trabalho dos Warren através dos filmes da série Invocação do Mal (2013), do diretor James Wan (1977 -) - que também foi diretor de Jogos Mortais (2004) e Sobrenatural (2010) - e, como boa fã de casos de investigação paranormal, me encantei logo de cara com as figuras carismáticas e apaixonadas de Ed e Lorraine. 


Infelizmente, já não posso dizer que tive a mesma impressão lendo o livro Ed & Lorraine Warren - Demonologistas: Arquivos Sobrenaturais, escrito por Gerald Brittle e publicado em 2016 pela editora Darkside Books aqui no Brasil.



Bem, para começar do começo, Ed e Lorraine sempre foram figuras atacadas pela mídia, os acusando de charlatanismo e até mesmo de aproveitamento moral e financeiro de muitas das famílias que eles atenderam ao longo dos anos, apesar de o casal sempre afirmar que sua maior missão era de ajudar as pessoas a se livrarem do mal que habitavam nas pessoas e em suas casas, tendo o próprio escritor do livro afirmado no prefácio que 


“Os Warren dedicaram altruisticamente sua vida inteira ao estudo, ao ensino e à investigação das forças espirituais (...)” (BRITTLE, pg. 12)

Entretanto, é difícil acreditar nas intenções puramente altruístas e benevolentes do casal após ler sobre alguns casos, em especial, lendo o sobre o caso “O Diabo Me Fez Fazer”, do início dos anos 1980, quando vemos Carl Glatzel, cunhado de Arne Cheyenne Johnson (acusado por homicídio, após ter matado seu chefe, Alan Bono, e alegado que estava sob possessão demoníaca), afirmar que os Warren ganharam muito dinheiro com as vendas do livro em que contam a história do caso, do que sua própria família teria recebido. 


Porém, nessa nova sessão da coluna de terror, os “Dossiês Warren” falarão especificamente de cada caso e suas peculiaridades, então deixarei para comentar com mais detalhes sobre este aqui em outro momento.


Contudo, gostaria de falar aqui sobre a principal impressão que tive, lendo o livro de Gerald Brittle que me fez ocorrer o desencanto com a figura dos investigadores.

Ambos eram católicos extremamente devotos, tendo um padre, John C. Hughes, como escritor do prefácio do livro citado acima. E o mesmo cita o casal como sendo 


“(...) inspirador encontrar indivíduos que transmitam um espírito de paz e respeito pelo próximo, independentemente de raça, credo, linhagem étnica ou convicção religiosa. Assim é o afável casal Ed e Lorraine Warren, que nos fala através das falas deste livro.” (BRITTLE, pg. 14)

Todavia, lendo poucas páginas do livro pude ter uma opinião exatamente oposta à do padre em relação ao casal.


No capítulo 14: “A Vozes de Enfield”, Lorraine afirma com veemência quando é perguntada sobre por que existiria tanta atividade sobrenatural negativa na época (final dos anos 1970) que 


“Na maioria das vezes, o demônio é convocado de forma deliberada, pela escolha formalmente declarada de alguém. Esse é o âmago da questão, porque o homem pode escolher entre o bem e o mal. Portanto, toda vez que um indivíduo convoca um desses espíritos inumanos, ele repete de novo todo o drama de Adão e Eva.” (BRITTLE, pg. 255)

E ainda adiciona:


“Enquanto milhões de pessoas estão brincando com fogo ao se envolver com o oculto, atuam nos Estados Unidos outros cultos quase religiosos, alguns dos quais invocam espíritos negativos para auxiliá-los como “guias” ao longo da vida. (...) Provavelmente existem mais pessoas praticando magia negra hoje do que em qualquer outro período da história.” (BRITTLE, pg. 255).


Há um tom conservador, generalista e um tanto intolerante que pairou no ar ao ler estes trechos. O que seria o bem e o mal? O que seria um culto religioso que invoca espíritos negativos como guias? O que é, afinal, “magia negra”


Será que, para os Warren, então, a única salvação vem ao aceitar Cristo e a Igreja deles como resposta para um mal que, certamente, atinge milhares de pessoas ao redor do mundo, de diversas culturas e religiões e, que, muito provavelmente, nunca atribuiriam isso à figura do Diabo ou de Satanistas sedentos por sangue? Será que realmente as meninas do caso Enfield estariam realmente escolhendo e acolhendo o mal quando decidiram inocentemente brincar com um tabuleiro ouija


Essas e várias outra falas do casal apenas reforçam um estereótipo de duas pessoas alienadas em sua religião, e que buscam respostas e justificativas sempre cobertas por essa neblina-moral religiosa que, além de generalista, parece indicar uma ignorância religiosa e social em relação ao meio e as pessoas com as quais eles lidavam em relação aos casos. 


Hoje temos conhecimento de que entre o início dos anos 80 e meados dos anos 90 ocorreu um fenômeno chamado Satanic Panic. Este foi, basicamente, um período de grande medo e histeria coletiva em relação à suposta presença de cultos satânicos e práticas de satanismo dentro da sociedade. 


Tal pânico levou a acusações infundadas e investigações exageradas, frequentemente envolvendo alegações de abusos em rituais satânicos, sendo muitas das acusações baseadas em boatos e teorias da conspiração. O Satanic Panic refletiu uma combinação de preocupações sociais, influência dos meios de comunicação e falta de evidências concretas. Nada impede que Ed e Lorraine fossem apenas um produto social e moral deste fenômeno.


De modo geral, apesar da surpresa com o contrastante casal carismático dos filmes, e o casal da vida real, o fato é que as evidências do sobrenatural no trabalho dos Warren são muitas e bem documentadas, e ainda valem a pena serem mostradas e investigadas aqui nesta coluna de terror. Porém, isso não quer dizer que não possamos observar os acontecimentos sob uma ótica holística, e os analisar através de filtros sociais e religiosos.


Sejam, então, bem-vindos ao Dossiê Warren. 


Aguardo vocês nos próximos capítulos.



Referências Bibliográficas

BRITTLE, Gerald. Ed & Lorraine Warren: Demonologistas - arquivos sobrenaturais. Rio de Janeiro: Darkside Books. 2016.

SOBRESAGAS. Entrevistado de "O Diabo no Tribunal" diz que caso é mentira. Disponível em: https://portalsobresagas.com.br/entrevistado-de-o-diabo-no-tribunal-caso-e-mentira/#google_vignette. Acesso em: 17 ago. 2024, às 16h.

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1 Comment


Incrível, Nathália! Deixou-me curioso.


Sensacional sua abordagem sobre a generalização da auto-narrativa de Lorraine, assim como desnudar o período de Satanic Pânico.


Contexto é tudo, e vc se esperou nele.

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