top of page
  • Instagram

Efeito Chengdu: uma nova perspectiva para a Ficção Científica

Foto do escritor: Tiago MeiraTiago Meira
Tiago Meira









Em outubro de 2023, a WorldCon, maior convenção de ficção científica do mundo, aconteceu na cidade de Chengdu, na China. Foi a primeira vez que o país sediou o evento que acontece anualmente, junto com o Hugo Awards, a maior premiação de ficção científica e fantasia. A partir dessa data, aconteceu na ficção científica mundial um efeito que eu chamo de “Efeito Chengdu”, que foi um “boom” de escritores chineses sendo, finalmente, lembrados por premiações que, historicamente, lembram apenas de escritores americanos e ingleses.

 

A WorldCon de Chengdu contou com outra novidade: a participação de convidados da América Latina, como a escritora brasileira Ana Rusche e outros autores, entre eles César Santiváñez (Peru), Gabriela Damián Miravete (México), Laura Ponce (Argentina), Leonardo Espinoza Benavides (Chile) e Tanya Tynjälä (Peru).


Para se preparar para o evento, a cidade de Chengdu, que conta com 20 milhões de habitantes, tem se transformado em um importante centro global de inovação e pesquisa científica. A WorldCon foi realizada no recém-construído Museu de Ficção Científica da cidade, projetado pelo escritório Zaha Hadid Architects. O museu conta com 59 mil metros quadrados e está localizado no Lago Jingrong, dentro da Nova Cidade de Ciências e Inovação do Distrito Pidu de Chengdu. Seu design fluido foi desenvolvido por meio de análise de modelagem digital e inclui galerias de exposições, teatros e salas de conferências.


O terreno onde está localizado o museu é coberto por arbustos nativos, e o projeto paisagístico permite a coleta e o armazenamento de água da chuva para filtragem natural e reutilização — uma verdadeira obra digna de um livro de ficção científica.


“As formas fluidas de sua cobertura irradiam de um ponto central interno, emulando uma nuvem nebulosa em expansão com uma estrela em seu centro — transformando o museu em uma ‘nuvem estelar’ que dispersa campos de energia em suas diversas zonas, guiando os visitantes por um portal que conecta nossa experiência vivida com nossa imaginação.” — Zaha Hadid Architects.

WorldCon Chengdu
Museu da Ficção Científica projetado por Zaha Hadid em Chengdu sediou a Worldcon 2023

Alguns pontos importantes colocam em evidência a ficção científica produzida na China, e, para começar, vou usar o exemplo do audiovisual.


O conteúdo que mais gerou “hype” na mídia em 2023 foi a série da Netflix O Problema dos 3 Corpos, baseada no livro de mesmo nome do autor chinês Cixin Liu. O autor foi o convidado de honra do Hugo Awards de Chengdu e, inclusive, entregou o prêmio principal da noite, o de Melhor Romance, vencido por T. Kingfisher (pseudônimo de Ursula Vernon).


A série chegou ao primeiro lugar do streaming e gerou diversas análises de youtubers, comparando a produção ao livro.


Cixin Liu é talvez o maior nome da literatura chinesa na atualidade. Ele já coleciona títulos como nove prêmios Galaxy — a maior premiação de ficção científica na China — e o prêmio Hugo de Melhor Romance em 2015 com O Problema dos 3 Corpos. A obra está sendo revisitada quase dez anos após sua publicação no Ocidente pela primeira vez, reforçando a qualidade da ficção científica chinesa.


Mas o chamado Efeito Chengdu ficou ainda mais evidente com os finalistas do Hugo Awards de 2024. A premiação aconteceu naquele ano em Glasgow, na Escócia, e contou com a presença de vários autores chineses ou de descendência chinesa.


A única categoria principal sem a participação dessas autoras e autores foi a de Melhor Romance, mas aqui cabe outro destaque: a predominância feminina. Dos seis finalistas, quatro são mulheres — Shannon Chakraborty, Emily Tesh, Ann Leckie e Martha Wells. Completam a lista o autor do Sri Lanka, Vajra Chandrasekera, e o americano John Scalzi.


Na categoria de Melhor Novela, tivemos dois nomes chineses e algumas curiosidades. O escritor veterano Wang Jinkang concorreu com a história Seeds of Mercury, lançada na coleção Adventures in Space: New Short Stories by Chinese & English Science Fiction Writers. O outro nome foi um desconhecido. Sim, desconhecido. He Xi é o pseudônimo de um escritor que prefere permanecer anônimo. Sua história, Life Does Not Allow Us to Meet, foi publicada na mesma coletânea de seu compatriota. Curioso, não é?


Na categoria de Melhor Noveleta, todas as concorrentes foram mulheres. Entre elas, a chinesa Gu Shi, com a história Introduction to 2181, Overture, Second Edition, publicada na Clarkesworld, e a chino-canadense Ai Jiang, com I AM AI, lançada na Shortwave Magazine.

Ainda nessa categoria, tivemos grandes nomes como a canadense C.L. Polk, a americana de ascendência vietnamita Nghi Voo e as americanas Sarah Pinsker e Naomi Kritzer.


Na categoria de Melhor Conto, destaco os chineses Baoshu e Han Song, que publicaram seus contos em Adventures in Space: New Short Stories by Chinese & English Science Fiction Writers e Galaxy’s Edge Vol. 13: Secret Room in the Black Domain, respectivamente.

No total, cinco escritores e escritoras chineses concorreram nas principais categorias do Hugo Awards de 2024. Esse número pode parecer pequeno — e, de fato, ainda é —, mas deve-se considerar que o Hugo Awards, até então, era uma premiação amplamente dominada por escritores americanos e ingleses. Nos anos seguintes, todas as outras premiações também passaram a acompanhar o “Efeito Chengdu”.


Esse efeito parece não apenas alavancar autores chineses, mas também latino-americanos.

Aqui destaco as indicações de dois brasileiros: Renan Bernardo, anunciado como finalista do Nebula Awards 2024, e Dante Luiz, indicado ao Hugo Awards na categoria de Best Fan Artist.


Ainda no cenário das premiações, outro ponto a comemorar foi a vitória da brasileira Jana Bianchi no BSFA (British Science Fiction Association) na categoria Best Translated Shorter Fiction, com sua história Vanishing Tracks in the Sand, traduzida para o inglês por Rachael Amoruso.


O Hugo Awards é organizado e votado por fãs de ficção científica — e eles comprovam que o gênero está se tornando cada vez mais plural.

 

Comments


bottom of page