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Foto do escritorMatheus Maciel

O épico e o heroico na fantasia

Matheus Maciel, colunista de "Fantasia e Terror"










Quando se fala em obras fantásticas como O Senhor dos Anéis, ou a série de livros e filmes Harry Potter, é normal que o teor épico presente em ambas emerja em nossa imaginação. Essa noção de épico é tão presente na nossa noção de contar história que praticamente parece um pilar, principalmente quando se fala de histórias fantásticas. 


É muito difícil falar de ficção de fantasia e não trazer para a conversa o tropo do monomito. Essencialmente debatido por Joseph Campbell em seu afamado livro O herói das mil faces (1949), o monomito versa sobre toda a humanidade contemplar uma única história, contada de formas culturalmente diferentes. Esse mito monótono - utilizando-se a etimologia da palavra, “único tom” - gira, como sugerido no título da obra, em torno da figura do herói. O termo “herói” em sua acepção original advinda do grego quer dizer alguém na vanguarda, aquele que protege. Geralmente, os heróis das tragédias e tradições narrativas do período helênico clássico eram semideuses - filhos de deuses com humanos normais - dotados de poderes e qualidades perfeitas.


Você pode conhecer do épico na mitologia grega visitando a coluna da Especular aqui.


Se os deuses gregos representavam, ainda que falhos em personalidade, faces de qualidades ideais e forças da natureza, os heróis semideuses aproximam esse ideais e a vontade do Homem sobre a natureza como próximos da experiência de ser humano. O próprio Alexandre Magno (356 a.C. - 323 a.C.), segundo o historiador grego Plutarco, dormia com uma cópia da Ilíada sob o travesseiro, pois se inspirava e adorava a imagem de Aquiles. A figura do herói, portanto, não era uma simples narrativa, mas um exemplo a ser imitado e almejado como pessoa perfeita.


As histórias modernas abraçaram o tropo do herói, trazendo consigo seus signos e implicações. Virou quase uma regra pétrea que o herói deve ser alguém que luta incessantemente por uma causa maior, a despeito até mesmo de ser gostado.


O escritor J.R.R. Tolkien, de 'O Senhor dos Anéis', morreu em 2 de setembro de 1973 — Foto: Reprodução/The Granger Collection/Nova York

Vemos isso bem ilustrado na trilogia O Senhor dos Aneis de J.R.R Tolkien (1892 - 1973). Tradutor e filólogo por excelência, Tolkien via nas narrativas nórdicas antigas figuras de heróis entre as características diferentes raças da cultura narrativa nórdica, como os anões e os elfos. No Legendarium (nomenclatura dada ao conjunto de obras de Tolkien que abordam as histórias da Terra-Média e afins, todas no mesmo universo), existem heróis e campeões anões, humanos, elfos e mesmo hobbits. Tolkien personificou a teoria de Campbell em que toda cultura gera seus heróis à própria maneira, não importando de onde veio nem em quê acredita. 



Nas histórias do jovem bruxo Harry Potter, a escritora britânica J.K Rowling (1965 - ) modernizou a narrativa do herói. Harry cresceu como qualquer um de nós poderia ter crescido: em uma família que nos maltratava e abusava. Ainda jovem, descobre seus talentos para ser bruxo e um universo onde os tão desacreditados jovens são valorizados e treinados para serem heróis à própria maneira. Ainda sim, Harry é o mais especial desses jovens, pois é o escolhido pelo destino para confrontar o mal maior.


Assim como Aragorn, Éowyn e Frodo foram escolhidos de certa forma para combater o mal.

A visão maniqueísta do bem e do mal, juntamente com a ideia de heróis, é o que torna uma história épica. O épico é um fator altamente engajante, principalmente em histórias que envolvem  algum tipo de esforço. A figura histórica de Homero a quem é creditada os poemas épicos Ilíada e Odisseia, que envolvem uma guerra e uma viagem, de grandes proporções. Proporções homéricas, como tornou-se um termo para falar de algo que é grande e claro, épico. 


Guerra é um tema muito caro ao épico, aliás. Não é estranho chegar no terceiro ato de um livro ou filme e deparar-se com uma grande batalha final de exércitos. A reunião final de esforços que resulta no culminar da guerra é o auge do que é mais épico. A violência em sua forma mais gloriosa. Mortes tornam-se ainda mais dignas no campo de batalha, inimigos jurados se enfrentam por fim, e todos os heróis chegam às últimas consequências com suas contrapartes, os vilões. 


A palavra épico, que vem do grego epikós, deriva-se de epós, que significa “história” ou “canção”. Daí que temos “epopeia” para descrever uma história de grandes proporções, algo que merece ser lembrado. Os antigos aedos gregos tinham sua figura diluída entre o germe do historiador e o cantor; as antigas canções de festas gregas também eram formas de lembrar e inspirar-se pelos feitos dos antigos heróis. Talvez isso ajude a explicar a popularidade engajante das histórias heroicas mesmo na contemporaneidade. O que merece ser lembrado afinal? Não importa o que tempo cause nas sociedades, a história épica nos lembrará o que é digno da memória. Quer sejamos pequenos heróis do condado, que sejamos garotos debaixo da escada.


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