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O maniqueísmo e o caráter humano em Round 6














Acredito que muitas pessoas, assim como eu, pensam que Round 6/Squid Game (série sul-coreana da Netflix) poderia ter sido uma produção de apenas uma temporada, ou até mesmo com mais episódios para finalizar a história de uma vez. No entanto, como a série foi um fenômeno, obviamente foi estendida para mais duas temporadas.


A segunda, lançada no final do ano passado, traz discussões repetidas, de assuntos já observados na temporada anterior. Entretanto, é interessante que mesmo assim, foram adicionadas algumas dinâmicas que produzem mais reflexões ainda sobre o caráter humano e o capitalismo, tornando-se pertinentes para o que já foi trazido antes, só que com mais detalhe.


A grande novidade dentro dos jogos agora é que os jogadores têm a opção de parar a competição e ir embora com o prêmio acumulado ao final de cada rodada por meio de uma votação, como se estivessem num regime democrático. São duas opções: Sim ou Não, sinalizadas por um ‘O’ azul ou um ‘X’ vermelho que ficam expostos nos macacões dos jogadores, o que me fez traçar paralelos com o que estamos vivendo na atualidade. Da mesma forma que os participantes decidem continuar os jogos com mortalidade iminente sem hesitar, ao redor do mundo encontramos países que passaram por crises produzidas pelo próprio modelo capitalista elegendo políticos cada vez mais extremistas, correndo o mesmo risco de piorar sua situação quando entregam o poder à personalidades autoritárias.


Round 6
Momento da votação

É intrigante entender a dinâmica dentro dessa metáfora na série: todos os selecionados para os jogos são pessoas que devem quantidades absurdas de dinheiro e não tem como viver uma vida normal sem pagar as quantias aos devedores. É como se para eles valesse mais arriscar suas vidas tentando sair do buraco em que se enfiaram do que voltar à sociedade e viver novamente uma vida miserável, sem o mínimo de condição de se sustentarem corretamente. De maneira similar, notamos esse raciocínio em discursos que pedem o retorno de ditaduras, argumentando que ‘se não houve melhora na democracia, talvez um regime mais extremo não seja tão ruim’. O pior de tudo é que essa ideia realmente gruda na cabeça das pessoas menos ‘politicamente letradas’ e mais vulneráveis a esse tipo de discurso horrendo.


Na série, enquanto alguns participantes não concordam com a decisão de parar os jogos para que o prêmio em dinheiro aumentasse quando algum outro jogador morresse e assim agindo de forma egoísta, o outro lado queria que tudo acabasse para evitar mais mortes desnecessárias, mesmo com o prêmio ainda ‘pequeno’, exercendo altruísmo e compaixão até com os que votaram para a continuidade dos jogos.

 

O uso desse maniqueísmo explicita ainda mais o sentimento individualista que o capitalismo promove, em que humanos sempre buscam ter mais vantagens que outros, mesmo se isso significar que vários indivíduos morrerão em razão desta escolha mesquinha e avarenta. Triste é saber que isso é um problema gigantesco da humanidade, que sempre teve o histórico de subjugar os que são ‘inferiores’, em vez de tentar estabelecer uma harmonia. 


Round 6
Cena de um dos jogos da temporada

Além disso, pode ser notada a inserção de ideias que possuem relação com um conceito conhecido como a tirania da maioria, cujas decisões importantes são sempre tomadas pela maioria em detrimento de minorias que sofrerão consequências muitas vezes devastadoras por esse motivo.


Claramente o conceito citado acima não foge muito do sistema ‘democrático’ da cultura ocidental, principalmente defendida pelos Estados Unidos. País este que diga-se de passagem regrediu décadas na escolha do representante máximo: alguém que claramente despreza qualquer tipo de minoria existente. Algo que nos faz questionar: até que ponto o sistema democrático que vivemos é realmente benéfico? É frustrante pensar que bilionários, com poder quase inabalável, conseguem manipular pensamentos da população definindo muitas vezes o rumo das eleições, quando incutem vários ideais errôneos (como o clássico da meritocracia) e enganosos (como a disseminação sem controle de notícias falsas na internet) na mente das pessoas.


Por mais óbvia que a mensagem da série pareça ser para alguns de nós, é de vital importância que tenhamos produções de ficção-científica como essas, com grande potencial de serem popularizadas a ponto de inflamarem pensamentos anticapitalistas. O que me resta é torcer para que pelo menos a maioria dos espectadores quebrem a barreira do supérfluo: em vez de assistirem só como entretenimento qualquer, consigam compreender o porquê daquilo estar acontecendo de fato nos eventos que a série nos apresenta.

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