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O poder da identificação: por que amamos animes e mangás?

Bianca Lais












Quando o sociólogo Stuart Hall fala sobre uma identidade pós-moderna mutável, construída pelas experiências e pelo desejo de pertencimento, afetada direta ou indiretamente pela globalização, conseguimos, em termos científicos, explicar o motivo para que as animações japonesas sejam tão populares ao redor do mundo.


Como já falado em uma coluna anterior, o Japão é um dos grandes expoentes do soft power, exportando sua cultura, costumes e filosofias através de produtos do entretenimento que fortalecem sua política externa e interna. No entanto, para potencializar essa estratégia é necessário vender produtos identificáveis. É aí que a pós-modernidade cria uma gama de oportunidades para que esse movimento seja decisivo: com o conceito da identidade espalhada pela globalização.


Graças à internet, podemos viajar para qualquer lugar do mundo, conhecer qualquer pessoa de qualquer país e interagir diretamente com produtos culturais diversos.

Assim, desde a década de 80, o Japão tem exportado seus principais títulos de mangás e animes, com protagonistas um pouco diferentes do que era comum na indústria das comics ocidentais. Ainda que haja um ou outro “escolhido” entre os protagonistas dos mangás japoneses, vemos que a principal temática dos heróis do shounen não é dominar seus superpoderes ou usar suas fortunas para fazer justiça; como acontece com o superman, capitão américa, batman e homem de ferro, por exemplo.


A maioria deles segue uma espécie de narrativa do “pária”, onde eles precisam provar seu valor constantemente à cada batalha, mesmo que tenham poderes especiais. Naruto, por exemplo, tem um tipo de raposa-demônio poderosa aprisionada em seu corpo, mas isso o faz ser rejeitado e não ser admirado, como aconteceria em uma HQ norte-americana.


Seu maior objetivo é ser importante entre os seus. Ser um líder respeitado e, a partir daí, sim, proteger as pessoas. O mesmo acontece ao Monkey D. Luffy, de One Piece, seu objetivo é ser o “Rei dos Piratas” e descobrir o famigerado tesouro One Piece. Mas para isso, Luffy precisa conseguir um navio, encontrar uma tripulação fiel ao seu objetivo e enfrentar incontáveis batalhas para se tornar alguém mais forte. Aqui, vemos um padrão quase incontestável nas narrativas dos mangás e animes: o maior desejo do protagonista é se tornar alguém mais forte.


E isso inclui muitas dificuldades. Ser um herói ou um líder não é algo fácil, mesmo em histórias fictícias. Não basta salvar uma donzela indefesa de um vilão ou um grupo de pessoas de um ataque de um maluco, nem salvar o planeta de uma invasão alienígena garante o respeito das pessoas, como vimos em One Punch-Man.


Na narrativa japonesa, o herói precisa provar o seu valor para as pessoas e para si mesmo muito antes de demonstrar a sua força. E para se provar, ele precisa passar por muitas etapas difíceis, fazer muitos sacrifícios e entender a responsabilidade que seu poder exige; nesse momento, o exemplo ocidental mais famoso que temos é o homem-aranha. É aqui que os mangás e animes tocam na identidade dos leitores, principalmente dos que mais se aproximam da necessidade de provarem seu valor e buscarem através do esforço (mais do que do talento) o respeito e a importância que trará significado às suas histórias.


Essa identidade do protagonista azarão influencia diretamente o meio do hip-hop afroamericano, que tem vários fãs declarados da cultura japonesa, como a rapper Megan Thee Stallion, o rapper Kanye West e o rapper RZA, do Wu-Tang Clan.


Este último chegou a declarar que, para ele, o anime Dragon Ball Z também representa “a jornada do homem negro na América”.

No Brasil, o rapper Emicida utilizou o traço clássico de Dragon Ball para o clipe de sua música Quem tem um amigo (tem tudo). Tudo isso porque o foco narrativo no combate às injustiças, no valor da amizade e na capacidade de superação se ligam diretamente à realidade da maior parte das pessoas que consomem esses produtos. Como diria o antropólogo argentino Néstor García Canclini, o consumo também serve para nos definir em estado, seja pela impulsividade, pela insatisfação e, principalmente, para demonstrar aos outros e a nós mesmos quem somos quanto essência.


Apesar de aspectos sócio-culturais tão distintos de onde nascem as histórias dos mangás e animes, é possível, por meio da ficção popular, tocar o cerne de cada indivíduo que constrói sua identidade por meio do consumo e encontra um grupo ao qual se vê pertencente. Esse é apenas um, mas talvez o mais atrativo, motivo pelo qual amamos conhecer e acompanhar as histórias de “bonequinhos de papel” que nos ensinam tanto sobre a vida real através de lutas colossais, poderes mágicos e inimigos fictícios. A busca desses personagens é real e é igual a nossa: enfrentar nossos problemas, vencer nossos medos e pertencer à algum lugar.

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1 Comment


Texto incrível! E amei a jornada do homem negro na América relacionado com a jornada do Goku

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