por Nicolas R.Aquino
É publicitário e leitor apaixonado nas suas horas
vagas. Ama uma boa xícara de café, livros de fantasia,
cultura geek e curiosidades sobre dinossauros.
No dia 15/01/2024, foi anunciado pelo diretor canadense Dean Deblois o início das gravações da adaptação em live-action da animação "Como Treinar o Seu Dragão", lançada originalmente em 2010 e corrdenada pelo menos diretor . Informações sobre o projeto vinham sendo anunciadas desde maio de 2023, quando Mason Thames e Nico Parker foram escalados para dar vida ao Soluço e à Astrid, respectivamente.
O anúncio do live-action produzido pela Universal pegou muitos fãs de surpresa, e me incluo nesta lista; o curioso é que a surpresa veio mesmo que eu tenha um carinho mais do que especial pela franquia "Como Treinar o Seu Dragão". Se me perguntarem qual a primeira memória que tenho ao pensar em "cinema", certamente irei dizer que foi assistir ao primeiro filme da trilogia, e futuramente as suas continuações, nas telonas.
A história de Soluço e Banguela sempre me tocou, mesmo que, quando criança, não entendesse todas as mensagens do filme. Hoje, já crescido, posso até dizer que já usei a vida de Soluço e sua dinâmica com a vila de Berk como exemplificação em aulas de Sociologia. Além disso, graças ao Banguela, cresci apaixonado por histórias com dragões, mesmo nunca tendo encontrado um tão carismático quanto o último Fúria da Noite.
Creio que todo fã, ao ficar sabendo da possível adaptação de uma obra que goste muito - seja um remake, reboot, live-action, animação, novelização, áudio drama, entre outros muitos formatos -, no primeiro momento sente um mix de animação e receio. A reação esperada é uma empolgação porque aquele material ganhará uma nova roupagem, dando a possibilidade de revisitar muitos personagens favoritos enquanto novas pessoas irão se apaixonar pela obra.
No entanto, muitas vezes o "apreço de fã" acaba sendo elevado ao apoderamento daquela obra, ultrapassando limites ao se tornar um ditador do que deve, ou não, ser feito. É nesses momentos que surgem muitos argumentos, principalmente em relação a adaptações em live-action, como: "Ninguém aguenta mais live-actions"; "Lá vão eles estragarem mais um filme da minha infância"; "Aquele(a) personagem não era branco(a)?"; entre muitos outros que sempre me deixam reflexivo sobre a necessidade e o sentimento em relação a essas produções. E é justamente esse tópico o nosso assunto de hoje.
Dando início às especulações, é importante que entendamos o que é um live-action:
Live-action, em tradução livre “ato real”, é uma produção cinematográfica que utiliza pessoas reais para dar vida aos personagens. Além disso, quando feita sem pessoas reais na atuação, ela utiliza de efeitos para transformar aparência de personagens, que antes eram desenhos ou animações, em figuras realistas. Utiliza-se este tipo de produção tanto em filmes, como em jogos e outras obras. Também, nele podem conter animações 2D e outros tipos de imagens geradas pelo computador (CGI) Infinityplus.com.br.
Quando pensamos em filmes Live-action, creio que as primeiras produções a virem à mente é a nova leva de produções Disney, que buscam apresentar os clássicos às novas gerações. Já sabemos que tratar desses filmes é um assunto delicado, visto que eles transitam entre uma sequência de muitos erros e alguns acertos; algumas mudanças significativas e outras mal executadas, que muitas vezes acabam atraindo mais hate do que elogios dos fãs. Além, claro, da escrachada falta de emoção em alguns dos projetos.
Usando duas produções para explicar essa dualidade dos resultados de um Live-action, temos dois ótimos exemplos: de um lado Mogli (2016) e do outro O Rei Leão (2019). Ambas produções contaram com uma tecnologia avançada e com representações ultrarrealistas de animais feitos em CGi. Mas, por um lado, o filme de Mogli contou com a presença de Neel Sethi dando vida ao menino criado por lobos, que trouxe todo o apelo dramático ao filme, dando um show de atuação ao interagir com os "animais" em cena.
Ainda neste primeiro exemplo, a conexão entre Mogli, Balu e Baguera pareceu encantar tanto o público como a crítica, se mantendo no topo do pódio como o live-action mais bem avaliado até então.
Já quando falamos de O Rei Leão, desde a sua estreia foi percebida as suas baixas notas de aprovação, além de alguns problemas durante a própria produção, como a fidelidade (ou a falta dela) à aclamada obra original; animais reais que tiveram de ser "suavizados"; assim como a preocupação para que o filme não ficasse semelhante a um documentário de vida selvagem, já que não temos na história nenhum agente humano interagindo com os animais.
Embora o filme tente compensar isso com um elenco de dublagem de peso e uma trilha sonora magnífica, é inegável que o filme peca muito em dar emoção a uma história que em sua versão animada arranca lágrimas do público.
Neste ponto, acredito que a minha escolha de abordar esses dois filmes já tenha sido justificada. No fundo, ambos traçam paralelos, tanto com as expectativas como com as inseguranças dos fãs, acerca dos elementos que devem ser trazidos para o live-action de "Como Treinar o Seu Dragão". Na nova adaptação, o elenco, assim como Nell Sethi (Mogli), têm que interagir diretamente com os dragões de CGI, mas todo o cuidado ao elaborar essa dinâmica deve ser mantido para que convença o público, criando a sensação de que o apresentado não se trata de figuras de computação gráfica ou de robôs, e sim de dragões de verdade.
Por outro lado, os dragões do filme não falam, o que cria outra dificuldade em trazer o carisma dessas criaturas que vemos na animação, já que, ao trazer o realismo, perde-se muito do expressivo e do apelativo que as animações 2D possuem. Nesse caso, é muito complicado introduzir a fluidez, o caricato e lúdico de uma animação nas versões mais realista, e a falta disso muitas vezes gera a perda da "alma" do projeto, ou seja, daquilo que faz a obra brilhar. E é nesse momento que começam as mudanças.
Ao entendermos que mudanças são necessárias, creio que fica mais fácil de abraçar as adaptações, mas alguns pontos em relação a isso precisam ser discutidos.
Falando de representação, e não de qualidade e aprovação dessas mídias, podemos usar os casos do live-action de Dragonball Evolution (2009) e Avatar: o último mestre do ar (2010), ambas produções que desrespeitam completamente a etnia dos personagens, forçando um protagonismo branco que, além de descaracterizar a história de personagens superpopulares no imaginário das pessoas, receberam críticas severas. Por sorte Avatar terá em breve sua segunda chance com uma série Live-action produzida pela Netflix, que se manteve fiel à etnia dos personagens na escolha do elenco e prometeu seguir fielmente os acontecimentos da amada animação clássica.
Ainda dentro da problemática do embranquecimento de alguns personagens, imagino ser importante mencionar o último live-action lançado pela Disney, A Pequena Sereia (2023), como uma produção marcada por debates de racismo, velado ou direto, a partir da escolha de Halle Bailey para viver a princesa Ariel. O caso da Ariel, embora venha a ser completamente diferente dos mencionados antes, por não se tratar de um embranquecimento, é importante para percebermos a dor do popular ao ver uma mulher preta em posição de protagonismo.
E as mesmas críticas feitas com a escolha de Halle para Ariel estão sendo feitas para Nico Parker como a Astrid, que anteriormente já havia recebido as mesmas críticas em sua participação na série The Last of Us (2023). A desculpa da vez não é a escolha de uma atriz negra para interpretar uma sereia, isto é, um ser mitológico que sequer existe, mas que, aparentemente, deve ser branco. Dessa vez, a desculpa usada pelos opositores à escolha da atriz é que "ela não poderia ser a Astrid, uma vez que todos os vikings eram brancos, loiros e altos".
Mas, para a tristeza dos nerdolas, há evidências sobre a existências de Vikings pretos na história. Assim, tendo a comprovação de que uma Astrid negra é totalmente possível dentro de uma sociedade Viking, fica o questionamento sobre até que ponto as exigências do "fã" pode ser dada como justa na produção de adaptações, já que em nenhum momento foi questionado as escolhas para outros personagens que já foram escalados como o Soluço, Bocão e Stoico, que serão interpretados por homens brancos? Se fossem justos em relação a todo o elenco, creio que deveriam cobrar a escolha de atores de ascendência dos países nórdicos, e não a revolta pela escolha de uma atriz negra, que certamente entregará uma excelente performance como Astrid, tendo em mente seus últimos trabalhos.
Caso se interesse em saber mais sobre a existência de Vikings pretos, deixo a recomendação de um episódio do podcast Infiltrados no cast: #95 Os vikings pretos realmente existiam?
As dificuldades enfrentadas pelas produções Live-action são muitas, seja pelos gastos com a produção, mas também pela necessidade de cativar o público que já tem um certo nível de conhecimento sobre a obra. Ainda assim, vale a reflexão do externo, como a participação do "fã" nesse processo de adaptação.
É válido levantar críticas quanto a essas produções, assim como qualquer outra, desde que sejam usados argumentos válidos e respeitosos. Nesse ponto, fico animado em acompanhar a produção do que está sendo feito com o live-action de Como Treinar o Seu Dragão, afinal quem nunca sonhou em ter seu próprio dragão?
Nesse sentido, consigo especular muitas possibilidades para essa produção, mas não estou aqui para criar teorias, e sim para refletir e deixar vocês, leitores, decidirem o que podem esperar desse filme. Porém, ainda sobre especular sobre novas adaptações, espero que estejam tão ansiosos quanto eu para saber se vamos ter um novo House of The Dragon ou um novo Detetive Pikachu.
Referências:
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