
Não é apenas no carnaval francês ou na commedia dell'arte italiana, transformar quem aparenta ser através da ilusão artística ou tecnológica não é algo tão novo assim, mas também nem tão esquecido quanto imaginamos.
Recentemente, toda a humanidade testemunhou o massivo esforço em expressar-se utilizando uma máscara. Desde a expressão dos olhos marcada, para além da voz esforçosamente mais alta, os gestos desesperados das mãos, acompanhando cada palavra e o rosto do outro a nossa frente escondido por ela. Neste tempo, o uso da máscara (ou o contrário disso), o modo como era usada e até mesmo o contexto para estar presente, indicaram muito sobre quais os valores a pessoa na nossa frente acredita e o que ela gostaria de comunicar, durante a pendemia. Enfim, é evidente que a máscara está gravada na nossa história e em nossos cotidianos e, portanto, é um elemento que já foi utilizado pela ficção científica.
A máscara é um rosto que define uma persona.
Na ficção, é muito comum que o artefato seja relacionado ao vilão, que deve esconder sua identidade para o bem de seus planos ou ao herói que deve protegê-la a todo custo com a esperança de uma vida normal, além de seus segredos. De qualquer forma, ela cumpre seu papel em esconder um rosto para dar vida a outro, uma nova identidade com um propósito específico. Cada máscara estabelece uma maneira de existir e ser diante dos outros e para nós, humanos, isso é mais que um conceito, mas uma interpretação da vida em sociedade. Sociedade esta que não lida mais com apenas pessoas em suas interações, mas a tecnologia pode ser encontradas por todo o lugar no espaço das nossas interações digitais, e mais do que isso, as máquinas interagem conosco.
A réplica de uma identidade humana por um produto da tecnologia está presente há muito tempo nas nossas histórias favoritas de ficção científica. Basta lembrarmos da temível e encantadora Maschinenmensch ou falsa Maria do filme Metrópolis (1927), uma máquina chamada de "paródia" dos humanos pelo seu criador. A falsa Maria usa uma máscara no filme, nós vemos o seu verdadeiro corpo metálico poderoso e, em seguida, sua delicada e sensual máscara de carne.

Há algo muito assustador no fato de que as máquinas poderiam fingir com perfeição serem humanas e desde a terceira revolução industrial encaramos esse medo.
Online, lidamos com tudo isso, o excesso de publicidade, informações interessantes, sites incriveis (como este aqui em que você está), pessoas desagradáveis e até bots. Em um mundo tão próximo e tão distante quanto a internet, todos usamos máscaras, filtros e propósitos para estarmos aqui e é possível fazer quase tudo online hoje em dia. Mas há um verdadeiro desconforto em quando nos deparamos com essas máscaras vazias que não são nada além de um código, parte da máquina, com um objetivo programado para cada ação nossa, pois o objetivo é proporcionar um ambiente virtual mais propício aos nossos objetivos, desde plataformas de jogos a redes sociais. É aqui que nós percebemos o quanto fazemos parte disso tudo.
O episódio "The Girl in The Fireplace" de Doctor Who nos apresenta robôs que tentam invadir vários momentos da vida da personagem histórica Madame de Pompadour ou Reinette, amante do Rei Louis XV da França. Essas figuras viajam no tempo com a intenção de alcançar Reinette, e para se infiltrarem em seu tempo, utilizam máscaras inteiras nos rostos. A narrativa segue e descobrimos ao final que eles buscam a mulher, pois há algo de errado com a nave de onde vêm, muitos séculos no futuro, que responde pelo nome SS Madame de Pompadour. Quando são questionadas do porquê perseguem Reinette, as máquinas simplesmente respondem: "porque somos a mesma coisa".

Do mesmo modo que as máquinas reconheciam Reinette como parte integrante do que são, porque têm a memória dela e de seu tempo e das coisas que a formaram, poderíamos nos questionar o quanto as nossas máquinas são parte de nós e são programadas para mascararem intenções primeiras e satisfazerem os nossos desejos ou seriam essas tecnologias apenas uma paródia infame do que somos e do que mais desprezamos em nós?
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