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Foto do escritorCarolina Oliveira

Visitas inesperadas são sempre bem-vindas

Carolina Oliveira










O ano era 2009, o dia era algum bem no meio da semana, já no final da tarde – com o céu escurecendo. Eu e uma amiga terminávamos, atônitas, de assistir “Contatos de 4.º Grau” (2009) de Olatunde Osunsanmi. A inocência da juventude e a aflição aos gritos e sustos foram o suficiente para que ficássemos dias comentando sobre o filme que, como uma espécie de moda da época, era “baseado em fatos reais”.


A maravilhosa Milla Jovovich (Dra. Abigail Tyler) anunciava isso logo no início e eu, por já gostar da atriz e por ainda não compreender que o cinema se faz com mentiras deliciosas, caí nessa história. O fim do filme, que falava sobre abduções alienígenas de um jeito nada amigável, coincidiu com a nossa primeira inspiração mais alongada de alívio, mas ainda em estado de alerta.


Fomos até a cozinha para tomar um copo d`água e, em poucos segundos passamos a nos encarar, assustadas – o que estava acontecendo? Um barulho de toc-toc-toc tomava conta do espaço, não era possível! Começamos a procurar – só com a cabeça – sem mover o resto do corpo. Foi aí que descobrimos: uma de nós estava batendo com as pernas inquietas na mesa, a mesa batia na panela de pressão em cima dela e, por sua vez, a panela tocava no azulejo e fazia barulho. Ufa! Nada de abduções ou extraterrestres!



Essa ideia de "primeiros contatos", me parece, como apontou Bráulio Tavares em “O que é ficção científica” (1986), algo como uma estranheza diante do mundo e, por isso, provoca um impulso para enfrentá-lo.

E são esses os sentimentos que acabam por preservar na FC, uma “perpétua inquietação adolescente”, nas palavras de Peter Nicholls, e que me fazem, quase sempre, lembrar desse episódio de 2009. Ainda que minha inquietação com um barulho estranho tenha sido apenas um engano bobo e engraçado, esse medo do desconhecido – de um outro – é capaz de revelar em suas metáforas problemáticas mais profundas sobre esses encontros.


Anos mais tarde, já ciente das armações cinematográficas e com um pouco mais de bagagem literária, eu me aproximava do conto “Ma-Hôre” (1961), de Rachel de Queiroz, para entender como essas visitas extraterrestres eram utilizadas na produção brasileira para explicar questões em torno da hegemonia – quase sempre capitalista –, mas agora, em torno de filmes bem menos espalhafatosos que os de 2009, como “O Anunciador - O homem das tormentas” (1970) de Paulo Bastos Martins.


Nesse filme, que deambula entre o Cinema Novo e o Cinema Marginal, um homem vindo do espaço (Carlos Moura) anuncia o fim dos tempos e grita para a população da pequena cidade “não suporto números, tenho horror de números, tenho o cérebro deturpado”, revelando à sua maneira uma crítica aos moldes da ciência – linear, progressista e universal.


Instigada pelo Anunciador que odiava números, eu me voltava para a história de Rachel de Queiroz: um homúnculo encontrado no planeta Talôi – chamado de W-65 pelos colonizadores que chegavam em suas naves espaciais com a ajuda de supercomputadores. A citação é bastante sugestiva e comum em algumas narrativas que percorrem as lógicas de primeiros contatos e colonização – terceiro mundo, primeiro mundo, colonizados, colonizadores, oprimidos e opressores.


Mas o que surpreende é: nem sempre os números ou a alta tecnologia parecem conter as respostas certas, afinal, o homúnculo de Rachel, a todo tempo referido como um coitado em um planeta com pouco recursos – lê-se pouca exploração dos grandes recursos – parece identificar o perigo com um pouco mais de astúcia e menos estardalhaço que o Anunciador do filme em que eu procurava entender.


O homúnculo, aparentemente dócil, aprende com a observação e converte a tecnologia inimiga ao seu favor, e a partir disso coloca em prática o seu plano: matar os homens da ciência. Os homens morrem asfixiados com o próprio ar de Talôi, e o homúnculo utiliza-se da nave inimiga para retornar à sua casa; já no filme de Paulo, a cidade acaba totalmente vazia e as pessoas saem andando em busca de um lugar melhor.


É justamente nesse ímpeto de inquietação que o Anunciador e o homúnculo se movem, talvez não seja possível, à primeira vista, falar de abdução nessas histórias, já que isso de fato não acontece – como no filme de Olatunde –, mas os acontecimentos, sejam eles resultado da violência do capitalismo ou a irresponsabilidade da exploração, implicam em processos de retirada de um lugar para o outro de maneira forçada.


Sorte a minha que Milla não foi capaz de me convencer a sair correndo por aí, mas me provocou a percorrer os caminhos sempre com cautela, observando o outro, o desconhecido, mas acima de tudo, a mim mesma – também uma outra, uma total desconhecida!

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