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Foto do escritorNathália Bonfim

Entrevista com Genevieve Gornichec, autora de "No Coração da Bruxa"

Nathália Bonfim












Recentemente, após escrever minha última participação na coluna de fantasia falando sobre as faces do feminino no livro No Coração da Bruxa (Editora Darkside, 2022), eu tive a oportunidade de entrevistar a escritora do livro: Genevieve Gornichec! Espero que possam aproveitar e curtir a entrevista com todas as informações e conhecimentos sobre mitologia nórdica tanto quanto eu pude ouvindo a autora.


Vamos ler o que ela teve a nos dizer sobre tudo isso.




Nathália: Bem, primeiro de tudo, muito obrigada por estar aqui comigo hoje, Genevieve! Eu estou falando com você de Brasília, Brasil, e em nome de todo o time da Revista Especular, posso te dizer que estamos muito felizes em ter sua presença hoje na nossa coluna de fantasia


Genevieve: Claro! Isso é muito gentil da parte de vocês!


N: OK. Então, você pode nos contar um pouco sobre como começou a sua carreira como escritora começou? Eu pesquisei e vi que na verdade você tem uma formação acadêmica em História! É isso mesmo?


G: Sim! Eu tenho bacharelado em História, mas eu já escrevo há muito tempo antes disso. Eu escrevi durante todo o ensino fundamental, ensino médio, faculdade, sempre escrevendo histórias! Então a escrita realmente tem sido uma paixão durante a minha vida inteira.


N: E como o seu interesse em mitologia nórdica começou? Foi algo da faculdade de História ou já era um interesse prévio?


G: Bem, eu era muito uma pessoa da mitologia grega quando era criança, sabe? Mas eu conhecia um pouco sobre os mitos nórdicos, e a minha paixão realmente começou na universidade, principalmente porque o meu avô era da Suécia! Ele emigrou para os Estados Unidos quando tinha vinte anos e ele acabou parando de falar sueco enquanto ele esteve aqui, na verdade ele acabou esquecendo como se fala. Ele só queria realmente ser americano, eu acho. Afinal, você se muda para um novo lugar e só quer se assimilar com essa cultura, né? E eram sobre os anos 1950 que estamos falando.


Enfim, quando eu soube que a minha universidade tinha aulas de língua sueca, eu pensei “uau, isso é tão aleatório, eu com certeza estou dentro!” e então eu acabei conseguindo uma bolsa de estudos para estudar na Suécia por um período, e decidi fazer uma especialização em estudos escandinavos com minha especialização em História enquanto eu estava por lá.


Então, quando eu voltei para minha universidade nos Estados Unidos, a primeira aula que eles ofereceram foi a de Língua Nórdica Antiga, na qual nós pudemos traduzir alguns dos mitos nórdicos e trechos das sagas. E eu te digo que no primeiro dia em que saí daquela sala de aula, eu fiquei tipo, “nossa, essa vai ser toda a minha personalidade a partir de agora!” É, foi realmente onde tudo começou. O resto é história como dizem por aí (risos).


N: Nossa, isso é muito legal! Então, começou primeiro com um interesse na língua e não exatamente nos aspectos da mitologia e da história.


G: Sim, é que meio que tudo é interligado, por causa das coisas que estávamos traduzindo. Sem brincadeira, a primeira coisa que traduzimos foi um trecho da Edda de Snorri e era a história de como Loki dá à luz um cavalo. E eu fiquei tipo “Uau, isso é tão estranho. Amei!”


N: Bem, falando agora um pouco mais sobre o livro No Coração da Bruxa, eu realmente gostaria de saber qual foi ou quais formas suas inspirações para compor toda a figura da personagem Angrboda? Porque, pessoalmente, quando li o livro, tive um momento de choque quando, no começo da história, você nos diz que foi ela quem ensinou a Odin a arte do seidr e não Freya. E essa é a história que eu conhecia até  ler o seu livro.


G: Essa é uma ótima pergunta. E eu realmente posso ser bem nerd quanto a este assunto agora se você me permitir!


Então, temos Gullveig, certo? Essa mulher muito misteriosa que só aparece nos mitos só para ser morta e tal. Na verdade, a maioria dos estudiosos (e até eu concordo), dizem que é muito mais provável que ela seja Freya, por causa das semelhanças das lágrimas douradas de Freya, por exemplo, e os elementos de ouro no nome de Gullveig e o fato de que ambas são bruxas.


No entanto, eu pensei, e se ela não fosse? Porque para mim assim é: o ouro e a bruxaria tem uma conexão tão tênue quanto Angrboda tem com algumas das outras figuras femininas que eu combinei com ela em No Coração da Bruxa.


Nós só temos duas menções dela, uma em cada um dos Eddas, que são as duas principais fontes da mitologia nórdica, e em ambas as vezes a única coisa sobre a qual se fala é sobre seus 3 filhos com Loki, e é isso. É tudo o que nós temos relacionado a este nome. 


Porém, Angrboda é a mãe da morte, Hel. E há também no poema Baldur's Dreams, na Edda poética, a menção de que Odin vai ao inferno para ressuscitar o cadáver de uma mulher sábia e então pergunta, “por que Hel está decorando seu salão?” Então há algum tipo de profecia associada a essa velha aleatória que está enterrada no reino de Hel. 


E quem a Hel faria tanta questão de manter perto dela? A ponto de esta pessoa ser enterrada em seu reino ao invés de sua alma apenas descer, certo? Eu sinto que há uma conexão aí. E então, Odin também diz naquele poema à essa figura: “Você não é uma mulher sábia, você é a mãe de três gigantes, monstros, o que quer que seja”, referindo-se às três crianças. Dessa forma, muitos estudiosos acham que essa conexão é forte o suficiente para ser da Angrboda que estamos falando.


Então, no poema The Song of Hindla, Freya vai até uma giganta e diz, “pegue o lobo dos seus estábulos e vá comigo para Asgard e me dê a linhagem do meu amante que definitivamente não é esse javali aqui”. Então, temos outra giganta com poderes proféticos, e que monta um lobo.


E depois, no Funeral de Baldur, temos ainda outra giganta que monta um lobo e faz um serviço aos deuses, e este lobo tem cobras como rédeas. 


E os filhos de Angrboda são um lobo, uma cobra e uma menina meio morta.


Então eu pensei: se todos esses personagens como Odin tem tantos nomes, e Odin faz tanta coisa maluca por aí com esses outros nomes, por que outros personagens não podem estar fazendo isso, certo? Freya tem vários nomes como Valfreya e Vanadis, por exemplo. Então eu meio que combinei todas essas figuras femininas que parecem ter apenas uma coisinha em comum umas com as outras. “Bum”, aqui está, se for a mesma pessoa, podemos contar a história dela do começo ao fim. 



N: Nossa, isso foi muito esclarecedor e legal de ouvir! Agora falando um pouco mais sobre a mitologia em si: quais são as suas impressões sobre as figuras femininas na cultura nórdica? Tanto em uma perspectiva mais mitológica quanto histórica? Porque nós temos por exemplo a série de TV Vikings, os livros de The Last Kingdom que mostram mulheres em papéis de autonomia que normalmente são atribuídos a figuras masculinas. Mas o quanto disso se aproxima da História e o quanto é ficção? Eu realmente gostaria de ouvir de você sobre isso.


G: Nossa, essa é outra que eu poderia passar horas falando sobre (risos), mas vamos lá. 


Na mitologia, acho que perdemos muito sobre as mulheres. Principalmente porque os mitos foram provavelmente escritos por homens centenas de anos depois de quando estes deuses e deusas eram adorados e faziam parte da história dessas pessoas, vamos dizer assim. E isso vale para além dos mitos nórdicos, pois há também as sagas medievais islandesas, que contam sobre a história desse povo ambientada na Era Viking, mas elas também foram escritas centenas de anos depois. E então há as sagas lendárias, que foram escritas na mesma época, mas são um pouco anteriores. 


E é daí que tiramos a imagem da Donzela Escudeira. Na verdade, não vemos muito isso nas sagas medievais islandesas, falando sobre a Era Viking, seria mais na Era pré-Viking. Então, imaginamos que os escandinavos na Era Viking podiam imaginar mulheres como essas, corajosas donzelas escudeiras que certamente poderiam empunhar armas (o que acontece algumas vezes nas sagas islandesa),  mas não em um cenário de campo de batalha. Era mais como “oh, você vai ferrar meu marido nesse acordo, então eu vou te esfaquear na perna, ou você vai fazer o que eu quero”. Sim, as sagas são tão, tão divertidas. Eu amo as sagas islandesas.


Mas tipo, em termos de mitos, há, definitivamente, essa associação entre mulheres com magia e morte. Até Frigg é dita saber o destino de todos os homens, certo? E tem também essa ideia de que o trabalho têxtil, a fiação e a tecelagem também são associadas ao destino, e que são trabalhos femininos.

Então temos as Nornas. Nas sagas islandesas, aquelas sagas da vida cotidiana, temos muitos exemplos de pessoas, homens e mulheres meio que tendo essas premonições, e dando conselhos sobre isso, já nos mitos temos as mulheres usando predominantemente magia, Odin, curiosamente, e alguns gigantes.

Então, há um monte de coisas estranhas de gênero acontecendo aqui. Mas eu não acho que as mulheres na Era Viking podem ser resumidas a apenas donzelas escudeiras ou apenas bruxas. E isso é parte do motivo pelo qual escrevi No Coração da Bruxa e meu segundo livro, The Weaver and the Witch Queen, só para dar alguma visibilidade a essas mulheres esquecidas dessas histórias antigas.


N: E o que você considera a coisa mais desafiadora sobre escrever fantasia histórica e mitologia? Você já enfrentou alguma dificuldade nesse aspecto?


G: Sim, especialmente sabendo que estou escrevendo sobre um assunto sobre o qual as pessoas têm muitas opiniões, falando sobre a mitologia nórdica e a era viking. Tipo, muitas opiniões mesmo!


Então, apenas ter que navegar e escrever para discutir isso quando as pessoas trazem à tona coisas como essa associação da Freya, essa associação de Freya e Gullveig. Isso é algo que realmente deixa as pessoas muito chateadas, sério! Já fui marcada em algumas coisas muito maldosas das quais me desmarquei para que ninguém pudesse ver. Tipo, eu abri uma lata de vermes, como dizem.


É quase como escrever uma fanfic, certo? É uma história preexistente que outras pessoas leram, que outras pessoas conhecem e têm outras opiniões sobre ela! Para mim, elas apenas dizem: “bem, aqui está minha interpretação”. É realmente uma questão de acertar ou errar, tipo, ou você ama ou odeia. Mas eu não estou tentando reescrever a mitologia nórdica, de forma alguma. Na verdade, sabemos tão pouco sobre tantas das mulheres nessa mitologia que, se você pedisse a mil escritores diferentes para escreverem sobre a história de Angrboda, você teria mil histórias diferentes, e todas elas seriam diferentes de O Coração da Bruxa!


Pense nisso: no último ano, houve três recontagens de Lady Macbeth que foram lançadas. E todas são completamente diferentes! É como se houvesse muito espaço nesse universo da mitologia nórdica para outras pessoas brincarem e contarem suas próprias histórias... Então, por um lado, sim, fui criticada pela minha versão, e as opiniões das pessoas são delas e isso é completamente compreensível! Mas, por outro lado, todo mundo tem o direito de acreditar na história que quiser quando se trata de mitologia nórdica, eu acho. A menos que seja algo grotesco, odioso e que machuque outras pessoas, aí, eu não sou fã.


N: Bem, muito obrigada, Genevieve! Estou muito feliz com a nossa conversa, de verdade! Para finalizar, queria te perguntar se você tem alguma mensagem que gostaria de deixar para os seus leitores e fãs aqui do Brasil? Ou então um recado para os novos escritores daqui que gostariam de escrever nessa área de fantasia e mitologia?


G: Sim, obrigada por lerem o livro! Fico tão feliz que todos possam e queiram lê-lo, me surpreende que tantas pessoas ao redor do mundo leiam meu livro, tipo, é uma fanfic (risos) Algo que escrevi há mais de uma década, quando estava na faculdade, e deixei de lado por muitos anos pensando que ninguém queria lê-lo, e ver seu sucesso e o quão longe ele foi geograficamente é incrível! Então, obrigado, isso é tudo que tenho a dizer.


E para os jovens escritores, eu diria: escrevam para vocês mesmos, escrevam o que os inspira! Não escrevam para mais ninguém, não escrevam pensando no mercado, e não se concentrem tanto no que as outras pessoas pensam. De verdade, a melhor escrita vai vir do seu coração! E a verdade é que o melhor trabalho que você fará será aquele no qual você vai acreditar, e não desista de si mesmo também! Você tem que acreditar em si mesmo (e isso é algo que digo sendo alguém que não acredita muito em si, mas tem muita facilidade em acreditar nos outros). Então, eu acredito em você, jovem escritor do Brasil! Siga sua paixão, siga seus sonhos e siga seu coração!

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Nathália, entrevista incrível! Parabéns, inclusive por abraçar a oportunidade e trazer essa visão mais flexível, interpretativa e pessoal sobre mitologia da Genevieve.

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