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O glitch, a falha, como portal visual para narrativas possíveis

Gabriel Mello










Os erros podem ser facilmente encontrados através de muitas manifestações visuais no nosso cotidiano. Uma placa de trânsito pintada de forma errada, uma roupa colorida demais em uma ocasião não oportuna, mas também um borrão de tinta em uma obra de arte canônica. O erro é indissociável do olhar, mas ele nunca foi tão revolucionário como a partir do momento em que passou a ser desejado.


Foi a partir dos anos 1990 que artistas passaram a se preocupar ativamente com o seu lugar no mundo – como já é de praste, claro – a partir da existência, e coexistência, de um cyberespaço. O glitch, ou erro, surge como poética bem aí.


Sendo a Arte Glitch justamente a exploração de uma “estética do erro”, de uma máquina analógica ou digital, através da introdução de erros nos dados e códigos de artefatos digitais ou da manipulação física de objetos eletrônicos¹, os glitches, como são conhecidas em inglês as falhas técnicas em sistemas de informação, passam a ser apropriadas por artistas como manifestação aos desenfreados avanços tecnológicos.

Se olharmos ainda por um lado mais técnico, uma falha poderia ser entendida como um resultado inesperado um mau funcionamento de algum software, ou do processamento de algum gráfico, imagem, áudio ou de algum vídeo. Porém, se buscarmos um olhar mais poético deste “erro”, o glitch nada mais é do que uma manifestação do humano contra o tecnológico.


A estética do glitch, inclusive, surge deste entendimento de que é necessário constantemente se manifestar e se posicionar a favor do humano em meio a um emaranhado tecnológico. Isso justifica o porquê do glitch e da sua estética não ter sumido desde a década de 1990, e o porquê do movimento da Arte Glitch ganhar cada vez mais força.


Recentemente decidi direcionar de uma forma mais ativa a minha produção com o glitch, e consequentemente a minha pesquisa no assunto. O meu interesse imediato era encontrar nestas falhas portais especulativos no campo visual, e para a minha surpresa, me esbarrei com muitas formas de organização neste campo: seja através do poético, mas também de manifestos e de coletivos na área.



Alguns artistas pioneiros da Arte Glitch trabalharam processualmente em oposição aos padrões hegemônicos culturais vigentes da época, buscando outras abordagens políticas e sociais ao criticar o sistema digital, o imediatismo da comunicação eletrônica, a incessante busca pelo aperfeiçoamento de novas tecnologias, a cultura pop mainstream e o consumismo.


Embora hoje a estética do glitch possa ser facilmente alcançada através de aplicativos para computadores ou celulares, muitos artistas fazem questão, também como uma questão política, de alcançar o glitch da forma tradicional, ou seja, buscando formas de corromper arquivos através das suas programações.


Em 2004, com o crescimento do movimento artístico e a tentativa de definir os diferentes tipos de práticas e produção do glitch, Moradi definiu duas categorias: “pure-glitch”, quando ocorre uma falha natural do sistema, sendo então um erro involuntário; e o “glitch-alike”, que resulta da imposição de erros em um sistema, causando intencionalmente a quebra do fluxo de dados ².


pure glitch

glitch-alike

Acidental

Deliberado

Fortuito

Planejado

Apropriado

Criado

Encontrado

Projetado

Real

Artificial


Independentemente da natureza do glitch, sua função narrativa parece pouco divergir. Mesmo abrindo possibilidades de múltiplos interesses na sua estética, a Arte Glitch converge para essa necessidade de utilizar a arma da tecnologia ao nosso favor, como protesto e como apropriação.


Os glitches podem parecer meros erros ou falhas, mas têm a capacidade poética de nos levar a outros universos, uma postura bastante especulativa. Glitches podem ser vistos como portais para outras dimensões, ou como manifestações visuais de um universo digital instável. Também podem simbolizar a luta entre a perfeição tecnológica e a imperfeição humana.


Podem, ainda, reverberar a corrupção (ou irrupção) de sistemas para além do digital. Os fragmentos, programados à falha, parecem se correlacionar profundamente com o que somos, mas também com o que um dia esperamos ser.


Curioso, não?


Referências

2 FERNANDES, José Carlos Silvestre. A Estética do Erro Digital, 2010. Dissertação (Mestrado em Tecnologias da Inteligência e Design Digital) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2010.

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