
Companion, ou Acompanhante Perfeita, é o filme de estreia do diretor Drew Hancock, lançado agora no dia 6 de Fevereiro nos cinemas brasileiros. A premissa do filme é simples ao primeiro olhar, mas se torna cada vez mais complexa quando paramos para pensar nela. A narrativa, por sua vez, não traz uma ideia que podemos classificar como inovadora no campo da ficção-científica: um homem que é incapaz de ter relações afetivas com outros seres humanos, adquire uma robô que proporciona “suporte emocional” para satisfazer seus desejos físicos e sentimentais, de certa forma.
Iris (Sophie Thatcher), a “acompanhante” de Josh, é um modelo de robô personalizável, que tem suas características alteradas para suprir a necessidade de seu comprador. Cor dos olhos, cabelo, tom de voz e até coisas como o “grau de agressividade” e o nível de inteligência são escolhidos pela pessoa que controla esses robôs. Além disso, na primeira interação com seu dono, o robô cria um vínculo emocional com memórias forjadas escolhidas por seu comprador, tornando-se completamente submisso às vontades de quem os possui.

Mais tarde no filme, temos a menção de que certa parte das pessoas utilizam esses robôs para fins maléficos, como torturas e abusos. Tudo o que o ser humano é proibido de fazer com seu semelhante, aparentemente se torna uma possibilidade para alguém que tenha em sua posse algum desses robôs, que inclusive não têm ciência de serem robôs, sendo um dos fatores causadores dos acontecimentos fatais no longa. A convivência com esses seres humanóides no universo do filme é tão comum que existe até o termo robot-shaming, utilizado quando alguém tenta ridicularizar outra pessoa por ter um desses robôs como acompanhante. É cômico, eu sei, e esse é apenas um dos momentos que a comédia acentua a estranheza de se viver num mundo onde é possível contratar esse tipo de serviço.
Ao traçar paralelos para além do enredo do filme, fico espantado com a ideia de que há uma possibilidade relativamente alta de que humanos poderão ter esse tipo de robô em sua posse no futuro. A ideia de um amor fabricado, que responde a seus comandos e que não pode contrariá-lo em absolutamente nada é bizarra e assustadora. Imagina só, ter a capacidade de forjar até a forma com que ocorreu sua primeira interação – com um catálogo de memórias fofas que o dono do robô tem em sua disposição para escolher – e mesmo sabendo que tudo não passa de uma grande experiência com um produto fabricado, qualquer um pode se tornar suscetível a criar uma dependência emocional com este.
Ao aproximar o conteúdo do filme à nossa realidade, poderíamos supor que as inteligências artificiais de hoje em dia daqui alguns anos podem se materializar em seres humanóides, que não possuem diferenças externas nenhumas a um ser humano comum. É nesse sentido que entra aquela clássica prerrogativa do sci-fi: se essas “criaturas” não são seres humanos, qual seria o tratamento adequado para elas? No filme, Iris representa muito mais do que apenas um robô qualquer: ela também mostra como homens exercem seu domínio sobre mulheres, que são manipuladas por seus desejos e seus jogos que envolvem chantagens emocionais.

Josh (Jack Quaid) é a personificação do famoso incel, que culpa tudo e todos – menos a si mesmo – por sua vida sem sucesso e fadada à solidão involuntária. Ele se considera uma vítima, um “cara bom e gentil” que é suscetível às mulheres “manipuladoras e mentirosas” que sempre acabam com sua vida no final de uma relação. Por isso, seu último recurso foi esse, comprar um robô que seria incapaz de mentir e que faria tudo o que mandasse. O que ele não esperava que poderia acontecer é justamente o que é mostrado no decorrer do filme, quando a tecnologia que está a seu dispor é subestimada, e as consequências desse ato falho se voltam contra quem os robôs deveriam servir.
Fica evidente que o fracasso do ser humano em construir laços significativos é uma das grandes lições do longa. A solidão provocada por essa incapacidade de alguns torna a humanidade vulnerável a pensamentos que levam pessoas à rejeição de indivíduos que vão contra seus princípios e personalidade, produzindo um isolamento que não é nada indicado a quem ainda precisa viver em sociedade de vez em quando, como acontece com Josh, por exemplo. Ele acha mais fácil culpar tudo e todos pelas frustrações pessoais do que encontrar erros em si mesmo, o que o transforma em um ser arrogante, que se vê como superior aos outros. Essa falha é justamente a causadora das consequências que as personagens do filme enfrentam.

Companion é um terror de sci-fi bem clichê, que não traz ideias novas ao seguir caminhos previsíveis em seu roteiro. No entanto, ainda assim é capaz de impressionar o espectador com uma fotografia esteticamente prazerosa e com sacadas interessantes que diverte qualquer um que, assim como eu, gosta de assistir pessoas com discursos extremistas se dando mal e enfrentando as consequências de seus próprios atos egocêntricos e autocentrados. É um bom filme, que provoca reflexões sobre o que a necessidade de afeto pode causar em homens emocionalmente instáveis e intelectualmente incapazes de aceitar que são repletos de defeitos.
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