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A flor de lis mundo abaixo

Danilo Heitor










E o meu jardim da vida, ressecou, morreu: do pé que brotou Maria, nem margarida nasceu. Faz uns dias que essa música ricocheteia no meu cérebro, provavelmente por ter tocado em algum canto que fui nas últimas semanas. É o tempo, também, em que estive pensando sobre a coluna deste mês. Você consegue descobrir o tema dela a partir desse verso?


Quando eu era adolescente, a banda punk paulistana Biônica cantava, em sua canção mais conhecida: não haverá amanhã, o futuro é Mad Max. Não era meu primeiro contato com obras distópicas (eu já tinha assistido o filme referido na música, inclusive), mas na época eu não relacionava a ideia de um futuro desértico com uma possibilidade próxima. Mais de vinte anos depois, circula pela internet um meme de uma livraria com um aviso de que as obras pós-apocalípticas foram mudadas para a seção de história contemporânea. Parece piada, mas o fato é que, nesse tempo todo, as obras abordando distopias se multiplicaram enormemente, e muitas delas tem um gostinho de vida real. Mas... quando de fato começa(rá?) o apocalipse?


Em Pajerama, animação de 2009, podemos concluir que a ideia de fim trágico da sociedade é muito mais antiga do que a ficção contemporânea: para os povos originários da América, ela remonta ao começo da invasão europeia. O filme, que tem apenas 9 minutos, é uma história de horror protagonizada por uma criança indígena. Para quem vivia nestas terras desde sempre, o fim do mundo se anunciou com as caravelas, e segue chegando a cada novo massacre. Apesar disso, ou talvez por conta disso, é daí que saem as Ideias para adiar o fim do mundo — afinal, os povos originários lutam contra ele há séculos. Do ponto de vista indígena, o apocalipse é obra europeia, e tem seu início na colonização. A ficção científica não se furta a falar disso: em Floresta é o nome do mundo, por exemplo, da autora americana Ursula K. Le Guin, a humanidade coloniza um planeta a partir da derrubada de suas florestas e do extermínio do povo nativo, que antes da nossa chegada não praticava a violência e se comunicava através de sonhos. Qualquer semelhança com o processo colonizatório das Américas não é coincidência.


Se a distopia dos povos originários, o fim de seu mundo, não se completou graças à sua luta, o fim do mundo como um todo se anuncia dia a dia, a cada novo boletim do IPCC, a cada nova derrubada de árvores para construir túneis. O chamado Antropoceno faz-se cada vez mais real. Mas será que esse é realmente um bom nome para a tal “época humana”? Existe, aliás, uma ação humana hegemônica responsável pelo fim do mundo?


Foi essa pergunta que disparou a discussão entre alguns autores de ficção científica brasileiros para cunhar outro termo, talvez mais apropriado: Plutonoceno. Como explica o escritor Thiago Ambrósio Lage em sua newsletter, o prefixo pluto remete à riqueza, a Plutão (ou Hades, o deus do mundo subterrâneo e suas riquezas), ao plutônio acumulado no solo (usado como referência em 1952 como sugestão de início do Antropoceno) e à simbologia astrológica de Plutão, o ex-planeta, associado a grandes transformações e rupturas. Para os cunhadores do termo, faz mais sentido dar ao apocalipse o nome de seus responsáveis, tirando a carga das costas da parte da humanidade que, desde sempre, tenta pensar em caminhos para evitá-lo. Eu concordo com eles. E a ficção científica como um todo talvez concorde também.


Tomemos como exemplo algumas obras da ficção científica bastante conhecidas: em Jurassic Park, é um rico excêntrico com sua corporação quem traz à tona uma distopia ecológica — que atualmente outras corporações tentam mimetizar, sempre com objetivos questionáveis; em O dia depois de amanhã, os cientistas precisam forçar o governo, sempre à serviço das grandes corporações, a acreditar que um colapso é iminente; em Metropolis, clássico de 1927, a cidade de mesmo nome é governada por um único capitalista, e os ricos vivem em prédios acima da superfície enquanto os trabalhadores estão confinados ao subterrâneo. A lista poderia continuar, mas o fato é que, em algumas obras mais, outras menos, a questão de classe, de uma sociedade comandada por poucos e sustentada por muitos, sempre estará lá. Porque assim é o mundo em que vivemos, e é a partir dele que as obras distópicas são projetadas.


Para terminar, deixo, então, uma dica de leitura contemporânea: a editora Cyberus lançou este ano a antologia Contos do colapso climático, onde 21 autorias brasileiras desenham mundos distópicos não muito distantes. Participo da antologia com Fundo de vale, uma história que se passa no vale seco de um grande rio, agora transformado em acampamento paupérrimo, e uma homenagem à Não verás país nenhum, distopia ambientada em São Paulo escrita pelo autor brasileiro Ignácio de Loyola Brandão.

E você, o que acha? O futuro é Mad Max? Antropoceno ou Plutonoceno? A culpa é dos ricos?


Os comentários estão abertos para trocarmos essa ideia.

 

 

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