Para os hindus, o mito não é uma “historinha”, mas sim parte de sua História. Através daquilo que nós, ocidentais, chamamos de mitologia, a Índia desde os tempos védicos (algo que entre 7000 e 2500 a.C.) estrutura sua sociedade e suas práticas através do seu contato com os devas, asuras, nagas e outros tipos de seres que chamamos, de maneira geral, enquanto “Deuses”.
Essas mitologias foram agrupadas em textos que, literalmente, eles chamavam de “Conhecimento”, ou seja, os “Vedas”. E nos poemas, especialmente do Rig Veda, a mais antiga coletânea deles, encontramos histórias maravilhosas, que estão vivas até hoje, seja no Norte, no Sul ou no Leste da Índia.
Neste texto, vamos lembrar de algo interessante. Para nós, ocidentais místicos ou não, a Lua é algo “feminino”. De certo, há deusas lunares na mitologia hindu (tal como Soma), mas a Lua propriamente dita é um Senhor Lua. Seu nome? Chandra.
Chandra é um graha, um deus planetário. São nove deles no total, o navagraha, que regulam os ciclos terrestres do tempo, bem como a Astrologia. Todos eles viviam bem no firmamento, até que Chandra, um dos mais novos entre grahas, com a aparência de um galã bigodudo de Bollywood, o cinema indiano, fez algo que abalou as estruturas daquele grupo.
Tara, a Deusa da Felicidade, era casada com o chefe e guru dos grahas, Brihaspati, o senhor Júpiter. Só que Brihaspati, já um idoso, adorava tirar longos cochilos. Isso não agradava Tara, que era muito alegre e ativa. Ela desejava alguém mais encantador. E, até hoje, não há nada mais encantador que a luz da Lua, no caso, a luz do Lua, a luz de Chandra.
Assim, Chandra e Tara resolvem fugir para viverem juntos mais próximos do Surya, o senhor Sol, que aquece a todos com o seu calor. Encontram um espaço no firmamento perto da Terra e por aqui ficam. Passado algum tempo, Brihaspati desperta de seu cochilo e vai atrás dos dois. No entanto, velho e cansado, resolve pedir ajuda aos devas da Terra e Indra, o rei deles e dos céus terrestres, aceita. Chandra não se intimida e pede ajuda aos deuses que ficam às sombras da Terra, os asuras. Estava feito o cenário que poderia destruir o planeta!
Nisso, Brahma decide intervir. Afinal, ele, junto com Vishnu e Shiva, comandam a criação, manutenção e destruição contínua do Universo. Brahma, aliás, é um grande fã da Terra e não queria a sua criação favorita imersa em uma guerra tão tola. Aplicando o Dharma, o reto pensar e reto agir que é a ética dos hindus, Brahma convence Chandra a “devolver” Tara a Brihaspati. Algum tempo depois, nasce Budha (o menino Mercúrio) do ventre de Tara, sendo ele filho de Chandra ou de Brihaspati. Ninguém sabe direito!
Algum tempo depois, triste e solitário ao redor da Terra, Chandra se apaixona por uma das filhas de Daksha chamada Rohini. Daksha é um Manasputra, um dos filhos de Brahma que foram gerados através dos sonhos que teve. Ele é o rei dos rishis (os sábios da Terra) e um dos principais Prajapati (agentes da Criação terrestre), sendo responsável pelo. Ele possui 60 filhas, cada uma representando virtudes da mente e do corpo humanos, vinculadas com a energia da divindade (deva ou asura) que a apadrinhou.
Após alguma discussão, Rohini tem a mão concedida pelo seu pai desde que Chandra também se case com outras 26 irmãs. No entanto, isso não deu certo. Rohini claramente era a favorita de Chandra, ficando a maior parte do tempo com ela em sua casa no firmamento. Com isso, as outras 26 irmãs foram reclamar para seu pai sobre o favoritismo de Rohini.
Chandra é alertado por Daksha que, como um zeloso marido, precisa cuidar de suas esposas por igual. Ao não cumprir isso, Daksha torna Chandra tuberculoso. Isso afeta diretamente a vegetação da Terra, matando as ervas medicinais e deixando os humanos doentes por tabela. Sob a interferência, agora de Shiva (também genro de Daksha, que conseguiu o respeito do sogro à força), Daksha permite que Chandra passe meio mês saudável ao ficar no cabelo de Shiva desde que passe um dia na casa de cada esposa no firmamento.
O que isso significa? Que as casas das 27 esposas são as Nakshatras, as mansões lunares da Astrologia Hindu, utilizadas até hoje para o dia-a-dia de negócios e da própria caminhada individual na presente encarnação, verificando o karma e os caminhos do Dharma. Uma das formas de chamar este mito é de “Relógio de Chandra”, pois indica um ciclo cósmico: o caminho de Chandra nas casas das 27 esposas indicam o percurso da vida para os Vedas: a concepção até a viagem astral para reencarnação neste ou em outro Loka (mundo celestial).
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