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Foto do escritorStella D'Avansso

Desigualdade Ambiental na Sci-Fi

Stella D'Avansso











Em uma noite, estava em casa refletindo nos olhos as várias luzes de um filme de ficção científica que passava na televisão. O protagonista se preparava para fazer a nave decolar com seus vários botões, luzes e barulhos esquisitos. De repente, o alarme de segurança de um carro na rua começou a invadir a casa e a misturar o seu som, repetitivo e alto, aos próprios barulhos futuristas da nave em minha televisão.


A paisagem urbana invadindo nossas casas não é um cenário raro no XXI, mas para além disso, a desigualdade ambiental é uma realidade presente nas grandes cidades. Em São Paulo, por exemplo, segundo o Mapa da Desigualdade, enquanto bairros centrais recebem áreas verdes planejadas para atender as demandas dos cidadãos, favelas próximas contam com uma cobertura vegetal muito abaixo do que é comum a outras localidades da cidade. Além disso, não é comum encontrar tecnologias de alto custo como ar-condicionado e umidificadores de ar nas casas da periferia. Aparelhos que poderiam amenizar os efeitos da crise climática nos dias de maior calor e baixa umidade do ar.


Em poucas palavras, as crises ambientais geram uma distribuição desigual das suas consequências, como a falta de saneamento básico e eletricidade nas regiões periféricas, contaminação do solo ocupado por residências e agrupamentos de povos tradicionais ou a emissão dos gases poluentes e a poluição sonora e visual. É evidente que as populações de periferias e povos tradicionais são mais afetados pela desigualdade ambiental, portanto, os efeitos da poluição são mais notórios para essas comunidades.


Em um futuro onde a elite vive no conforto do Maralto, todos os jovens de 20 anos passam por um processo seletivo para viver lá. Mas só 3% serão aprovados.

A ficção científica sempre deu conta de representar com maestria a desigualdade ambiental através de seus cenários. Cada elemento é simbólico em uma paisagem futurística como na série brasileira "3%" de 2016. Acompanhamos os jovens do "Continente", uma região pobre e poluída, que devem provar seu valor em provas físicas, psicológicas e morais para terem a chance de juntarem-se aos 3% dos vencedores e viverem no "Maralto", um lugar limpo, com árvores, alimento em abundância e paz.


Na série, a paisagem ilustra o grande desejo dos personagens de saírem do mundo do Continente, com seus prédios e ruínas com tijolinhos à mostra, muitas pessoas, violência, barulho nas ruas e escassez. Tudo é feito da sobra de alguma coisa e o mundo verticalizado nos traz a sensação de um dia de calor entre as ruínas vivas nas cidades, ainda pulsando o sangue nas veias do mundo, apesar de sua aparência apocalíptica. É sufocante observar o cotidiano nas ruas do Continente, que mais parece um corredor apertado ou as ruas estreitas de uma favela. Essa descrição de como pode aparentar uma periferia naquele mundo é perspcaz, no sentido que diverge completamente do outro lado, o outro mundo possível, mas distante, o Maralto (ou o bairro ao lado).


Imagem promocional da série "3%". (Imagem/Reprodução: Netflix)

O Maralto é o lar dos vencedores, daqueles que "mereceram" estar ali, segundo o próprio discurso meritocrático da elite brasileira, ironicamente adotado pela série. É um ambiente com muita vegetação, boa comida, roupas de qualidade e recursos. Ali os moradores contam com boa qualidade de vida e a oportunidade de escolherem seus destinos entre o que é oferecido naquele mundo. A beleza e conforto da paisagem trazem um contraste ao Continente, onde vive a maior parte da população em miséria.


Assim como a comparação entre os mundos do Continente e Maralto, as populações minoritárias no Brasil sofrem com muito mais intensidade as consequências das crises ambientais. Até o dia em que as soluções ecológicas forem pensadas para todas as comunidades do país, muito mais que os barulhos da rua ou os cenários de uma série de ficção científica irão invadir nossas rotinas.

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