Um artigo por NICOLAS R.AQUINO
Resumo:
Este artigo busca examinar a complexidade da Cultura Pop, destacando sua falta de uma definição única. Explora suas origens nas artes, especialmente na Pop Art, e reflete sobre como desafia conceitos tradicionais de alta e baixa cultura. Ao abordar os limites atuais da Cultura Pop, o texto destaca perspectivas divergentes, analisando-a como tanto alienante quanto expressiva e benéfica. O autor, assumindo uma posição de consumidor-estudioso, questiona estereótipos associados à cultura nerd/geek. Também discute o papel da indústria, representada por grandes nomes como Disney e Marvel, na limitação da diversidade cultural. O texto enfatiza a necessidade de estabelecer um novo paradigma para a Cultura Pop, promovendo a diversidade e encorajando a curiosidade para moldar seu futuro de maneira inclusiva e dinâmica.
Introdução
Retomando alguns pontos centrais estabelecidos na apresentação do espaço Especula Pop, minha missão neste artigo é buscar um entendimento acerca do que pode ser considerado como Cultura Pop. Algo muito necessário para que compreendamos esse fenômeno é ter noção de que não existe uma única definição ou alguma que esteja mais certa do que outra, afinal, só com as duas palavras presentes no termo "Cultura Pop", temos uma infinidade de significados.
De acordo com as definições de linguística, cultura é definida como:
um complexo de atividades, instituições, padrões sociais ligados à criação e difusão das belas-artes, ciências humanas e afins.
Já o Pop é definido como:
uma abreviatura da palavra "popular", que é usada tanto em inglês como em português.
Logo, a ideia básica que tiramos é que Cultura Pop é toda criação de caráter popular. Mas até uma afirmação, à primeira vista lógica, traz contradições históricas que colocam a Cultura Pop em um limbo. Conceitos como cultura de massa, indústria cultural, alta cultura e baixa cultura, juntamente a tantas ideias de pensadores e estudiosos sobre cultura e sociedade, dão a sensação de que ao buscar definir Cultura Pop, estamos indo de nada a lugar nenhum. Mas, me coloco em uma posição tanto de consumidor quanto de crítico deste fenômeno, buscando estabelecer uma visão própria para algo que é constantemente discutido e ressignificado.
Uma viagem no tempo para os primórdios do pop:
Como ponto de partida ao que viria a ser a Cultura Pop, é inegável que esse fenômeno tem sua origem nas artes. Se hoje entendemos a Cultura Pop como uma quebra de uma elitização da cultura é porque, atualmente, o fenômeno não significa mais uma separação entre alta cultura e baixa cultura.
Nesse contexto, a alta cultura era entendida como uma cultura produzida para uma elite intelectual, com um apelo ao clássico e o artístico, muitas vezes considerada complexa demais para que a maioria popular a compreendesse. Por outro lado, a baixa cultura seria como uma cultura mais acessível e de caráter popular, que poderia ser compreendida como tudo aquilo consumido em massa.
Tendo uma noção dessa separação, a primeira coisa que vem à cabeça é que a baixa cultura se assemelha muito ao que entendemos por Cultura Pop, e essa afirmação até estaria completa se não fosse pelo movimento anterior às ideias do próprio fenômeno, que buscavam exatamente quebrar o elitismo cultural, levando o pop aos lugares antes dominados apenas pela elite. E, assim, surgiu a Pop Art.
Esse movimento artístico buscava tanto criticar quanto usufruir de produções vindas da cultura de massa. Nesse período pós-revolução industrial, a sociedade vivia em uma constante produção feita quase que exclusivamente para a venda e consumo. A indústria cultural era responsável por ditar aquilo que a sociedade consumia, criando, dessa forma, uma padronização cultural, algo que ainda é visto nos dias de hoje.
A Pop Art veio como uma luz que buscava ofuscar as ideias de alto e baixo. Ela levava o popular da época, como peças publicitárias, embalagens de produtos, quadrinhos, etc., aos museus e galerias, mas usando também dos veículos de comunicação para "espalhar a palavra". O objetivo central era aproximar o grande público do "dito popular". Dessa forma, os primeiros daquilo que viriam a ser a "organização Nerd" começaram a sair de seus esconderijos e formaram uma voz ativa na sociedade. Afinal, cenas marcantes de quadrinhos estavam sendo recriadas (infelizmente o código de creditar o artista ainda não estava em vigor), tudo isso em grandes quadros que eram expostos e apreciados, dando início ao que viria a ser a nossa Cultura Pop contemporânea.
Os supostos limites do que é a Cultura Pop no hoje:
Após entendermos as bases da Cultura Pop, voltamos imediatamente ao presente, onde, acredito, os limites são um pouco mais complicados. Isso porque o pop pertence a inúmeras visões, sejam elas positivas ou negativas, que estão atreladas justamente ao fenômeno da Cultura Pop.
Existem aqueles que defendem com unhas e dentes que o fenômeno vem como uma forma de alienação à população, com o pressuposto de que somos agentes passivos das manifestações culturais e apenas consumimos sem nenhum questionamento e senso crítico. Ao mesmo tempo, existem os defensores de que tudo o que pertence à Cultura Pop é benéfico, o masterpiece da produção cultural, e que de forma alguma somos condicionados a consumir aquilo; é tudo uma escolha pessoal. Afinal, se eu vou ao cinema e escolho assistir um blockbuster, é porque gosto muito daquilo e não porque o filme ocupa quase todas as salas e horários do cinema, e o único trailer amplamente divulgado é o daquele único filme, que já está quebrando recordes de bilheteria.
Assumindo a posição de consumidor-estudioso, acredito que as diferentes perspectivas de interpretação para Cultura Pop possuem um fundo na verdade, porém ambas recaem em um mesmo extremismo, ou seja, daquilo que é puramente bom ou ruim. No entanto, somos ensinados a todo momento pela própria Cultura Pop que as narrativas costumam estar muito mais em uma zona cinza de possibilidades. E é me apegando a isso que quero construir uma visão não neutra, e sim questionadora do que está sendo entregue e ditado como Cultura Pop.
Como parte da geração dos anos 2000, o que me foi apresentado como Cultura Pop, embora ainda não seja o que consideramos o mundo ideal, já veio dentro de uma visão muito mais abrangente de vozes ativas, histórias diversas e tentativas de buscar novas narrativas. Mas essas possibilidades entram em choque direto com o que os "primeiros nerds" assumiram como pop, muitas vezes associado à categoria de nerd/geek.
Esse atrito é responsável por boa parte das dificuldades e tentativas de limitação para entender o fenômeno aqui analisado. Nesse ponto, é importante relembrar que seu surgimento está diretamente atrelado à distribuição e à quebra de uma linha divisória cultural. Logo, a Cultura Pop deveria ser responsável por abarcar tudo aquilo que está no imaginário pop, sem a limitação ou distinção, como muitas vezes são dados através do discursos da "leitura de verdade", do "bom cinema", ou da "música de qualidade". Estas elitizações não podem ser motivos de exclusão dentro da Cultura Pop, sendo que nos próprios espaços onde ocorrem a sua distribuição, não existem estas diferenciações, que mais afastam do que acolhem o público.
Nesse sentido, a visão de Cultura Pop contemporânea, ao meu ver, consegue ser atrelada muito bem às definições linguísticas abordadas no início desse artigo. Se olharmos com uma visão abrangente, vemos que o multiverso pop consegue ir desde o cinema à literatura, passando pela música, pelo teatro, e indo até às artes, à moda e por aí vai. As possibilidades não devem ser limitadas ao ponto de gerar um bloqueio daquilo que pode e não pode ser o pop. Ainda assim, é importante deixar claro que não há agente com maior culpa do que a própria Cultura Pop, que limita em barreiras e muros, de forma disfarçada para uma maioria, mas que cria um padrão limitante para entrada do novo; do diferente; do que não tem garantia de se tornar um hit e agradar o grande público.
As amarras da Cultura Pop e suas consequências:
Agora que sabemos que a Cultura Pop e a indústria por trás dela são os principais "culpados" de seus próprios problemas, é muito importante que questionemos nossos próprios gostos e as condições que levam algo a se tornar merecedor do clube privado da cultura pop. Trazendo como exemplo um estilo de vida cultural que vive de altos e baixos, podemos usar as grandes franquias para trabalhar essas amarras: figuras consagradas como Disney, Marvel, DC, Pixar, Warner, entre muitas outras. Todas essas formam o que seria a elite da Cultura Pop.
Os filmes de super-heróis, por exemplo, por anos ganharam o amor do público e se tornaram os reis do cinema, desbancando outras franquias pré-consagradas. Mas se manter no topo não é fácil, principalmente quando o público consumidor se torna cada vez mais crítico e menos suscetível a engolir a mesma história contada por personagens com diferenças mínimas.
Da mesma forma, as animações da Disney, em outros tempos, eram muitas vezes a porta de entrada do entretenimento para as crianças. A Pixar, porém, ganhou fama por divertir os jovens e fazer os adultos chorarem com histórias emocionantes. No entanto, hoje ambas sofrem por manterem um apego ao tradicional e ao medo de dar voz à diversidade, como no caso recente de Nimona, que foi descartado pela Disney com 75% do filme pronto por trazer representatividade LGBT+ explícita. O mesmo filme recebeu o maior número de indicações ao Annie Awards de 2024.
Os grandes nomes da indústria acabam levando uma vantagem natural sobre toda forma de produção cultural que diverge, seja de forma mínima ou grandiosa. Acessar essas produções "menores", porém, muitas vezes se torna uma tarefa desgastante, já que estamos acostumados a consumir apenas o que nos é dado ou mostrado como grandioso.
Algumas, como Nimona, têm a sorte de receber boas indicações e assim furar a bolha do que seria underground, situação essa que aconteceu também com alguns filmes da A24, mas que ainda assim sofrem com críticas e dúvidas quanto à sua qualidade. Isso, porém , não ocorre com as produções de grandes franquias que não passam pelo público geral e, quando alguma crítica direta ganha notoriedade, ocorre o atrito direto entre o consumidor crítico e o consumidor confortável.
Essa ideia de que a Cultura Pop limita o que o público consome é responsável tanto pela neutralidade quanto pela saturação de seus próprios produtos. A hipervalorizarão dos grandes nomes da indústria estadunidense tira a possibilidade para que espetáculos da produção nacional e global tenham extrema dificuldade em encontrar seu público, por serem barrados por uma cerca cultural que precisa ser derrubada. A arte de contar histórias, gerar entretenimento e criar conexões, mas não deve ser limitada a uma única narrativa e representação, sendo a libertação disso um movimento necessário para que a Cultura Pop não se torne aquilo que ela própria buscou derrubar.
Estabelecendo o novo pop:
Entendemos de onde a Cultura Pop veio, onde está hoje, suas crises, conquistas e limites, então os convido a pensar em como levar nosso multiverso pop ao futuro.
É visível o quanto a Cultura Pop está presente no nosso cotidiano como um agente de mudança, responsável por inúmeros momentos marcantes que criaram memórias coletivas, mas cabe a nós buscar expandir esse coletivo para que ele abrace cada vez mais pessoas. Também cobrar que produções de qualidade sejam feitas pelas marcas consagradas, e que seja dado espaço ao diferente e ao novo.
Temos tendência a temer o novo, mas acredito que a curiosidade deva ser a força motivadora em nós. Dividir os espaços e buscar conhecer outras visões de mundo é um exercício fundamental no mundo globalizado em que vivemos.
Nem sempre a sua narrativa é capaz de ter uma compreensão sobre algo que vem do outro. Conhecer outras visões dá espaço para que histórias que parecem já saturadas ganhem uma nova roupagem; uma perspectiva nova e única. A Cultura Pop veio para derrubar as amarras culturais e popularizar o que por muito tempo foi reservado a um único grupo, podendo assim gerar grandes marcos que conectem pais e filhos, amigos, comunidades, perfis especializados na internet ao público, entre muitos outros. A todo momento há alguém comentando, analisando, criticando, consumindo e produzindo Cultura Pop.
Fazendo jus ao título deste artigo, ao estabelecer ideias para compreensão do que é Cultura Pop, é certo que o fenômeno é um marco histórico atemporal. Algo que é clássico hoje, foi pop no seu período e pode muito bem continuar sendo pop enquanto estiver presente no dia a dia das pessoas. A Cultura Pop, como entendemos anteriormente, é um fenômeno que não necessariamente tem uma única definição, já que todas as definidas anteriormente fazem parte da história do próprio fenômeno e norteiam as visões de presente e futuro que temos dele.
Falar de Cultura Pop é falar do que está sendo produzido mundo afora; do que está sendo comentado; do que tem poder de fazer sua marca, seja ela grande ou pequena. Toda obra tem pelo menos um fã e um hater e, por isso, já faz parte de um imaginário pop; vira uma resenha, uma nota no Letterboxd, uma indicação com base nos seus gostos e, com isso, participa do fenômeno da Cultura Pop.
Construir esse artigo foi uma tarefa desafiadora. Busquei ao máximo sair da minha zona de conforto e buscar em textos, sites, podcasts e vídeos com as mais variadas visões acerca do que é e como trabalhar a ideia de Cultura Pop. Esses dois vídeos me ajudaram muito, além de abrirem brechas para muitas das reflexões que fiz durante esse processo: https://youtu.be/d-HrglgiQ70?si=tchoJOzk7fahiPyG
Referências:
CAMPOS, L. Plano Histórico #19 | Cultura POP: História e Possíveis Definições. Disponível em: <https://www.planocritico.com/plano-historico-19-cultura-pop-historia-e-possiveis-definicoes/>. Acesso em: 12 jan. 2024.
THE ART STORY. Pop Art Movement Overview. Disponível em: <https://www.theartstory.org/movement/pop-art/>.
“Nimona” lidera com 9 indicações o Annie Awards 2024! Disney/Pixar fica de fora da categoria principal pela primeira vez na história! Disponível em: <https://www.termometrooscar.com/cinema-eacute-tudo-isso---blog/nimona-lidera-com-9-indicacoes-o-annie-awards-2024-disneypixar-fica-de-fora-da-categoria-principal-pela-primeira-vez-na-historia>. Acesso em: 12 jan. 2024.
A diferença entre baixa cultura e alta cultura | Rafael Lima | Digestivo Cultural. Disponível em: <https://www.digestivocultural.com/colunistas/coluna.asp?codigo=139&titulo=A_diferenca_entre_baixa_cultura_e_alta_cultura>. Acesso em: 12 jan. 2024.
Cultura pop | Gian Danton | Digestivo Cultural. Disponível em: <https://www.digestivocultural.com/colunistas/coluna.asp?codigo=724&titulo=Cultura_pop>. Acesso em: 12 jan. 2024.
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