Dia de Muertos e cultura mexicana: quando os mortos caminham entre nós
- Felipe S. Ramos

- há 12 minutos
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A cultura mexicana já esteve muito em voga pelo aparelho midiático dos Estados Unidos. Obviamente, não se tratava de um apreço do norte-americano pela cultura estrangeira, sendo muito mais uma busca pelo dinheiro estrangeiro. Isso, contudo, não impediu que esse contexto cultural, quisessem eles ou não, alcançasse pessoas que, de outra forma, pouco provavelmente teriam este contato. E, dentre todos estes aspectos (como a culinária, a história e a religião) um que ganhou maior destaque por suas valências estéticas e representatividade foi o Dia de Muertos.
As máscaras, pinturas faciais, desfiles carnavalescos, voltados a honrar e celebrar quem já se foi, tais elementos tornaram-se cada vez mais presentes na cultura popular. Filmes como Viva: A Vida é uma Festa (Lee Unkrich, 2017) ou Festa no Céu (Jorge R. Gutierrez, 2014) são dos grandes responsáveis pela representação dessa festividade no imaginário popular (especialmente com o público infantil), trazendo uma relação com a morte, e a vida após esta, de forma distinta ao que comumente vemos na cosmovisão cristã. Outro longa-metragem que expande culturalmente o evento é 007 Contra Spectre (Sam Mendes, 2015), que trouxe a representação de um grandioso desfile, o qual depois viria a ser incorporado às celebrações na Cidade do México.

Há ainda exemplos de outras mídias, como no jogo Grim Fandango (1998), que se baseia na mitologia asteca e nas figuras das calacas (caveiras e esqueletos tipicamente usados na celebração do Dia de Muertos), uma das representações mais complexas e interessantes, mas que ainda sim deixa muito da complexidade e riqueza da data festiva. Elementos esses que trataremos agora.
Historicamente, o feriado do dia dos mortos deriva das religiões mesoamericanas – especialmente do povo Asteca – desde 500 anos antes da invasão e colonização europeia. Naquele contexto, tinha-se uma interpretação sobre a morte drasticamente distinta da que é proposta pelo cristianismo. No que criam os povos originários, o destino, mais do que uma consequência de sua vida (subir aos Céus ou cair para o Inferno), era diretamente conectado com a circunstância e forma da morte do indivíduo.
O primeiro dos paraísos é Omeyocán, o domínio do deus da guerra, para o qual se destinava todos cuja morte ocorreu durante combate, as mulheres que faleceram em trabalho de parto e os que foram vítimas de sacrifício. Esse era um ambiente descrito como feliz e ensolarado, repleto de canções e músicas em que a reencarnação se dava em forma de pássaros, seres livres. O segundo é Tlalocan, o paraíso do deus da água, para onde iam os mortos de afogamento, chuvas (como acertados por raios), ou de doenças relacionadas ao acúmulo de fluídos ou sacrifícios para o deus Tláloc, todos acabavam neste lugar de repouso. O terceiro destino é Mictlán, para os que se foram de morte natural (velhice ou outras doenças). Para os astecas, essa era uma morte menos digna, resultando numa prisão da alma em um ambiente escuro, sem saída ou perspectiva. O último paraíso é àqueles que morreram ainda infantes, Chichihuacuauhco, um local com uma grande árvore, cujos galhos expeliram leite para que as crianças pudessem se alimentar e poderem renascer no futuro.
Nesse sentido, para além dos sacrifícios, a morte também era celebrada como um ritual de ascensão, com incensos, músicas, danças, oferendas de alimentos, flores (especialmente a calêndula), com altares para honrar os falecidos, suas famílias e todo o ciclo da vida.

Esses rituais, todavia, não são mantidos da mesma forma até hoje, uma vez que, a região compreendida como México foi alvo da colonização hispânica, em que uma perseguição sanguinária contra qualquer um dos povos originários foi emplacada. Por mais que tenham sido subjugados, os povos astecas se recusaram a abandonar suas crenças, o que, com o passar do tempo, obrigou os espanhóis a tentar incorporar aquele evento às tradições católicas, para facilitar a conversão. Com isso, a festa que antes ocorria durante todo mês de Agosto, agora se dava entre a Véspera de Todos os Santos (31 de Outubro) e culminando no Dia de Finados, em 2 de Novembro. A festividade foi nomeada Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade pela UNESCO em 2003.
É desta forma que surge, pelo menos, o que há de mais quintessencial para o Dia de Muertos: a celebração de um povo que se recusa a esquecer sua essência. Atualmente, é impossível encontrar essas distinções entre o que foi e o que se tornou, a festa é um evento sincrético, capaz de homenagear, à sua maneira, os que se foram.
O ponto crucial, talvez, ainda esteja na forma imagética.
É comum dentre as culturas que nos cercam no Brasil e ao redor, que a morte seja um motivo de tristeza, encarado como o fim de um ciclo. Para a cultura mexicana, aquele é um momento de celebração; naquele dia, os mortos caminham entre os vivos, para reencontrar seus familiares e acalentar suas jornadas, portanto é imprescindível que esse momento seja tratado com felicidade, como quando revemos alguém após muito tempo. No fim das contas, há um entendimento de como celebrar a morte significa celebrar a vida, visto que uma depende da outra. Para seres imortais, não há razão de celebrar, o amanhã sempre virá e tudo é eternamente possível. No entanto, é nossa finitude que dá potência à vontade de celebrar e viver.





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