The Good Place e a filosofia moral
- Nicolas Dobarro Cassemiro

- há 8 minutos
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A série The Good Place tem à primeira vista uma premissa muito simples. Eleanor, uma mulher do Arizona, após sua morte é enviada ao paraíso, porém rapidamente descobre que o sistema confundiu sua identidade e que não deveria estar ali. Deste ponto em diante, a série de desenvolve com ela tentando esconder sua posição de “erro” enquanto tenta aprender como se tornar uma pessoa melhor, para merecer esta posição no paraíso - ou Bom Lugar (The Good Place), como denominado na sitcom.
Essa dinâmica inicial é logo virada de ponta cabeça, ao descobrirmos que na verdade nunca houve um erro: o lugar era apenas uma imitação do Bom Lugar, projetada para torturar Eleanor e os outros personagens principais, Chidi, Tahani e Jason.
Um dos pontos fortes da série, é sua capacidade de tratar de assuntos profundos e complexos, como a morte e a busca pelo significado da vida, de maneira descontraída, mas sem tirar lhes tirar o peso. O melhor exemplo, e objeto desta coluna, é o tratamento que a série dá ao tema da filosofia moral. Logo no início já nos é apresentado diretamente, quando Eleanor revela a Chidi, sua suposta alma gêmea, que ela não pertence ao Bom Lugar.
Para sua sorte, em vida Chidi era professor de ética e filosofia moral e se propõe a ajudá-la a aprender a ser uma pessoa melhor. É por meio dessa interação e das aulas que se seguem que a série introduz diversos conceitos do tema, com vários episódios tendo como plano de fundo essas aulas de filosofia.

Porém, não é apenas por meio dessas aulas que o tema da filosofia moral é debatido. A discussão acerca de teorias morais está entranhada na própria estrutura de The Good Place, cujo percurso narrativo pode ser lido como uma série de refutações/defesas de determinadas teorias morais.
Para demonstrar como é feito, faz-se necessária apresentar as três principais teorias filosóficas discutidas e como são inseridas na série.
A primeira, e a mais simples, é o consequencialismo. Segundo tal teoria, aquilo que decide se uma determinada ação é boa ou ruim são as suas consequências, por exemplo no clássico exemplo do bonde: imagine um indo em direção à 5 pessoas, você percebe isso e também uma alavanca que muda o percurso do bonde para um trilho onde há apenas uma pessoa - qual seria a ação moralmente correta? Para o consequencialismo, puxar a alavanca e matar apenas uma pessoa é a escolha correta, pois leva a um menor sofrimento (apenas uma pessoa morre ao invés de 5).

A teoria se manifesta na série por meio do sistema além: nesse universo o pós-vida funciona por meio de um sistema de pontos, onde cada ação que uma pessoa realiza durante sua vida é assinalada com determinada quantidade, com base em suas consequências. Ao fim de sua vida, os pontos são somados e, a depender do total, a pessoa vai ou para o Bom Lugar (paraíso) ou para o Lugar Ruim (inferno).
Claramente inspirada nas teorias consequencialistas, a série expressa os defeitos dessa abordagem. Ao investigarem esse sistema, os personagens descobrem que nenhuma pessoa nos tempos modernos consegue alcançar o total necessário para ir ao Bom Lugar. Isso se deve, concluem, à crescente complexidade do mundo moderno, que faz com que todas as nossas ações venham carregadas de consequências não intencionais. Por exemplo, ao realizar a simples ação de comprar um tomate, estamos sujeitos às diversas consequências negativas que o processo de produção e transporte causam ao mundo.
A segunda teoria mais discutida na série é a deontologia, filosofia moral desenvolvida principalmente por Kant. Em sua formulação mais básica, consiste na ideia de que existem regras morais rígidas que não devem ser quebradas sob nenhuma circunstância. Coisas como nunca quebrar promessas, não mentir, não roubar etc., estão para Kant entre essas regras rígidas que não devem ser quebradas. Portanto, uma ação só é boa se ela age de acordo com tais regras, independente de suas consequências imediatas.
Na série a figura que a representa é Chidi, professor universitário de ética e filosofia moral que tinha como objeto de pesquisa a filosofia moral de Kant. Chidi expressa tudo que pode dar errado com tal teoria! Durante sua vida, sempre se esforçou ao máximo para seguir uma vida ética e sempre tomar a decisão certa, o que resultou em uma vida de indecisão e angústia em todos os aspectos de sua vida. Portanto, o que a série busca mostrar com ele é a impraticabilidade de seguir regras morais rígidas e como racionalizar demais todas as nossas decisões leva a uma vida infeliz e indecisa.
A última teoria apresentada é a ética de virtudes, onde há maior prioridade não para ações individuais, mas para virtudes como generosidade, temperança etc.
Dessa forma, a vida ética consiste em seu exercício, podem ser praticadas e melhoradas com o tempo. Essa ideia é defendida na série como uma resposta aos outros sistemas éticos, de forma bastante literal, tendo em vista que após descobrirem os problemas com o sistema do pós-vida, os personagens propõem um novo sistema, não mais punitivo como o anterior, tendo como base a noção de que as pessoas podem “melhorar” com o tempo.
The Good Place nos apresenta diversas questões interessantes e discussões importantíssimas para os tempos atuais - tudo isso enquanto trata o sobrenatural com sistema e nos ensina sobre filosofia moral de uma maneira simplificada, ainda assim poderosa.




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