Mostra Mulheres na Ficção Científica
- Carolina Oliveira

- 17 de set.
- 4 min de leitura

Na primeira semana de agosto deste ano, entre os dias 1º e 3, aconteceu a Mostra Mulheres na Ficção Científica, na Cinemateca Brasileira, em São Paulo. A exibição reuniu 14 filmes dirigidos por mulheres provenientes de vários países: Estados Unidos, Brasil, Portugal, Dinamarca, Palestina e Áustria.
Quase como uma personagem construída para habitar um planeta no qual as demandas do trabalho nos engolem como nunca — obviamente e infelizmente — eu não consegui acompanhar toda a programação. Foram três dias consecutivos de filmes e a situação não me favorecia: eu deveria escolher entre o cinema e todas as outras tarefas que precisam de mim para existir — trabalho, cachorros, casa, comida e o esperado descanso depois de seis dias consecutivos de trabalho.
Para saber mais sobre como foi a programação da mostra: acesse: https://cinemateca.org.br/series/mulheres-na-ficcao-cientifica/
O dia que escolhi para assistir aos filmes foi o domingo, o último da mostra — mas não por isso menos interessante e empolgante. O sobrevoo por outras histórias, com as quais eu ainda não estava familiarizada, despertou minha curiosidade: o que as mulheres da FC estavam pensando mundo afora, afinal?
A sessão de curtas palestinos de Larissa Sansour, vista na agradável — e quente — tarde de domingo, resultou na anotação (feita no celular e enviada para mim mesma pelo WhatsApp) de meia dúzia de palavras que, mais tarde, orientariam minha memória no momento em que eu sentasse para escrever sobre os filmes de uma cineasta que acabara de conhecer.

“Mulher na lua, mulher grávida, irmã arqueóloga e mulheres de diferentes tempos” — foram minhas palavras-chave. E foi somente depois de alguns dias afastada das anotações, mas ainda com as imagens inesquecíveis dos filmes ressoando na minha mente, que notei: apesar de distantes no sentido geográfico — afinal, eu estava assistindo a filmes de uma cineasta palestina —, meus registros giravam em torno da familiaridade, do íntimo, do particular. Ou seja, de temas capazes de nos aproximar como mulheres que pensam e produzem imagens.
Larissa Sansour começou a trabalhar com cinema em 2003 e, como conta em entrevista ao canal Louisiana Channel, sua entrada nas artes cinematográficas se deu pelo desejo de abordar a situação política na Palestina, mas não simplesmente representá-la, e sim pensar sobre ela, encontrar algum tipo de solução. A apropriação do gênero da FC não é à toa: ele nos dá instrumentos para reimaginar a realidade e extrapolar o mundo real. Ainda que, como a própria Larissa afirma sobre sua produção documental — anterior ao trabalho com a FC propriamente dita —, essa já apontasse para uma realidade absurda e desoladora.
De volta ao domingo ensolarado e seguro na sala Grande Otelo da Cinemateca de São Paulo, a exibição dos filmes, que começou às 15h, seguiu uma ordem cronológica de produção e já chamava a atenção pelos títulos: Um Êxodo Espacial (2008), Estado-Nação (2012), No futuro, eles comiam da melhor porcelana (2016) e In Vitro (2019).
Um Êxodo Espacial revisita a chegada do homem à Lua — ou melhor, da mulher —, constituindo-se como uma troca que reverte o gênero da personagem. Ao relembrar temas caros ao cineasta Stanley Kubrick, como evolução, tecnologia e progresso, a reencenação propõe uma versão crítica dessas mesmas ideias problemáticas, reiterando lógicas ainda pouco questionadas. Mas o espaço, aqui, se abre para uma ocupação inesperada: quem o ocupa é a mulher palestina.

Estado-Nação propõe uma solução inusitada ao Estado Palestino: um arranha-céu capaz de abrigar toda a população, onde cada cidade é organizada em seu próprio andar. A verticalização constitui-se como uma solução high tech, excêntrica, “poderosa” e, por isso mesmo, carente de humanidade. A mulher grávida que chamou minha atenção no início dá água para a árvore símbolo do povo palestino, a oliveira: uma nova geração nasce, agora trancafiada em um prédio luxuoso e seguro, no qual as janelas de vidro permitem acompanhar os conflitos de longe.

No futuro, eles comiam da melhor porcelana já é atrativo pelo título premonitório. O filme fala sobre a criação de um grupo de resistência por meio de seus supostos objetos de porcelana, que, ao longo do tempo, foram sendo depositados debaixo da terra. A ficcionalização de um povo inventado, na verdade, invoca discussões em torno da reivindicação das terras — tema extremamente sensível ao povo palestino.
Ao provar a existência de uma nação por meio de seus objetos de porcelana, o filme nos faz interrogar: qual das nações que conhecemos até hoje não foi, afinal, inventada por nós de alguma maneira?

In Vitro, o último curta exibido — e talvez o mais enigmático —, me marcou pela ausência das cores e, por isso mesmo, o registrei pela rica escala de cinzas. Aqui, acompanhamos o pós-catástrofe ecológica em que duas mulheres — talvez cientistas, talvez sobreviventes de um tempo em que qualquer pessoa pudesse sê-lo, uma mais jovem e outra mais velha — conversam sobre as antigas e atuais rotinas das pessoas daquela terra devastada. As crianças agora crescem com a memória dos outros, o que as faz sofrer tanto com o passado devastado quanto com o presente, ainda incerto.

Os filmes de Larissa — seus mundos catastróficos ou até mesmo suas soluções inusitadas —, ainda que localizados em situações muito específicas das vivências, memórias e lutas de seu povo, parecem indicar algo universal e comum a quem vive na Terra: os anseios, a disputa pelo poder, a busca pela terra e por melhores condições de vida. E, mesmo escolhendo o cinema em uma tarde de domingo, percebi que não havia deixado de lado todas as outras tarefas que precisam de mim para existir. Eu apenas havia parado para pensar sobre elas — e não somente executá-las de forma mecânica e apressada. Essa talvez seja mais uma das tarefas do cinema: parar para pensar naquilo que se está fazendo.




Comentários