Em 2009, um mangaká conhecido pelo pseudônimo “One”, lançava sua webcomic de um super-herói conhecido como One Punch-Man, ou “O homem de um soco”. Seu traço era amador, mas sua narrativa instigante transformou o projeto em um fenômeno viral no ano de 2012. Desde então, com ilustrações refeitas pelo mangaká Yusuke Murata, a narrativa irreverente de One e a publicação oficial pela Editora Shueisha, One Punch-Man se tornou um fenômeno cultural, chegando a equiparar seu protagonista à grandes nomes da cultura pop japonesa como Goku, de Dragon Ball, obra de Akira Toriyama, e Naruto Uzumaki, de Naruto, obra de Masashi Kishimoto.
Mas qual o segredo para o sucesso de One Punch-Man? Muito provavelmente a abordagem bem-humorada que a obra faz sobre o heroísmo, o poder e a filosofia da vontade, fundamentada por Arthur Schopenhauer, em 1819. Para esse texto, farei um recorte dos eventos que ocorreram no início do mangá e na 1ª temporada do anime lançado em 2015.
O “homem de um soco” tem um nome muito peculiar, Saitama. O mesmo nome de uma província japonesa populosa que perdeu sua relevância no Google quando pesquisamos por seu nome. Sua aparência é inspirada pelo Anpanman: um super-herói infantil do Japão, criado na década de 70, famoso por seu uniforme vermelho, luvas amarelas e sua simpática careca, exibido na televisão japonesa até os dias de hoje. Além disso, a pronúncia de anpanman e One Punch-Man em japonês (wanpanman) é muito semelhante. Mas, certamente, as características mais interessantes do nosso protagonista são: ele é forte o bastante para vencer qualquer oponente com um único soco (o que torna o título da obra autoexplicativo) e essa força descomunal é exatamente a causa da sua infelicidade.
A partir do momento em que Saitama se torna um herói e que faz isso “por diversão”, como o mesmo diz em sua trajetória, o fato de não encontrar oponentes à sua altura causam nele uma espécie de vazio existencial. Agora que ele consegue resolver todos os problemas em um único ato, seu objetivo de vida se transforma na busca por alguém que seja capaz de desafiá-lo.
“A vida é uma constante oscilação entre a ânsia de ter e o tédio de possuir”
A famosa frase de Arthur Schopenhauer é uma síntese de sua filosofia da vontade, onde propõe que a vida humana é totalmente dependente do desejo e, assim, está condenada ao sofrimento pois os desejos nunca são completamente satisfeitos. Para Saitama, ser forte o bastante para vencer qualquer oponente com um único soco não significa felicidade, tampouco a admiração ou o respeito das outras pessoas inspira sua satisfação. Seu vazio de propósito como um herói só será aplacado no momento em que ele perceber que não tem mais o poder de acabar com qualquer batalha com tanta facilidade – embora ele ainda queira sair como o vencedor da disputa.
Procurando por esse oponente ideal, Saitama se junta à “Associação de Heróis”, onde é classificado como um herói classe C (bem abaixo do que se espera para alguém como ele) e suas ações heróicas são ofuscadas por outros heróis ou por outras interpretações das consequências de sua força. Quando ele salva o planeta de ser atingido por um meteoro ao socá-lo, os habitantes da cidade Z o rechaçam porque a destruição do meteoro fez com que seus milhares de detritos destruíssem prédios, casas, carros, comércios e prejudicasse a vida das pessoas; antes morrer pela queda de um meteoro do que sobreviver a ela.
Ninguém parece ter a verdadeira dimensão da força de Saitama além do leitor/espectador e do ciborgue Genos, um personagem cujo objetivo principal na história está atrelado ao desejo de se tornar alguém mais forte. Para ele, Saitama é um mestre, algo que nem o próprio “homem de um soco” entende. Sua irrelevância para a sociedade junto ao seu heroísmo deturpado pelo desejo de enfrentar apenas um oponente mais forte, cria em Saitama uma autopercepção semelhante a que as outras pessoas têm dele: ele não é especial, ele não é importante e, definitivamente, ele não é um herói.
One Punch-Man faz um contraste ao caminho comum dos personagens de mangás shounen, cujo objetivo é sempre alcançar o patamar mais alto, ser alguém mais forte e invencível. Saitama não quer salvar sua vila, o planeta terra nem ser a criatura mais forte do universo. Teoricamente, ele já é. Nessa narrativa, somos apresentados ao “depois do fim”, ao que seria a vida dos nossos super-heróis e super-heroínas após alcançarem o objetivo final de suas vidas. O que fazer depois de realizar o seu sonho? Para Saitama, como um Schopenhauer moderno, sua história começa de verdade a partir desse conflito. É a busca que dá sentido à sua vida, não a realização. O tédio de ter alcançado seu propósito e o desejo de reencontrá-lo, apenas para desprezá-lo e desejá-lo novamente, em um ciclo sem fim.
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