O que é Hard Sci-fi?
- Stella D'Avansso
- 13 de ago.
- 3 min de leitura

Imagine-se como uma pessoa trabalhando no campo. Todos os dias, após terminadas suas atividades, a noite revela fenômenos extraordinários (além da própria transformação do céu e do movimento visível de corpos enormes que você resolveu chamar de sol e lua). Sua idade avança, mas algumas estrelas parecem nunca se mover, enquanto outras se escondem e aparecem, em uma dança contínua, quase como se tivessem seu próprio ritmo ou suas próprias marcações de tempo.
Em um certo ano, você decide fazer algumas anotações e descobre que as estações do ano encontram padrão correspondente ao movimento daqueles corpos acima. Tudo isso nos mostra que a natureza tem uma forma de funcionar e que a humanidade, ao perceber isso, criou diversas interpretações – uma delas, a que consideramos mais eficiente hoje em dia, é a ciência.
Sendo assim, a ficção científica é uma forma de contar histórias através da ciência e da replicação da linguagem científica em narrativas fantásticas… ou não!

Escrever a ciência com qualidade narrativa não é exclusivo nem inédito da sci-fi. Diversos físicos, astrônomos, matemáticos e filósofos ao longo do tempo buscaram expor suas ideias acerca da ciência por meio de histórias, alegorias e outros recursos linguísticos interessantes que encontramos hoje em livros e contos de ficção científica. Vale lembrarmos do célebre autor soviético, Isaac Asimov, um nome de um clássico para os amantes da sci-fi. Asimov foi também bioquímico e um grande divulgador científico, além de possuir uma extensa bibliografia de ensaios, artigos e livros voltados à popularização da ciência, obras que carregam uma memorável qualidade narrativa.
Então, o que delimita um texto científico de uma ficção científica é o caráter fantástico? Seria sua distância da realidade e da própria ciência?
Voltando à nossa pequena aventura do primeiro parágrafo: se um dia aquela pessoa, trabalhadora do campo, resolvesse contar uma história para seus filhos em que tivesse todo o seu conhecimento científico sobre o céu, talvez decidisse adicionar alguns personagens, mas por escolha, sua narrativa não desafiaria o modo de funcionamento observável da natureza. Pelo contrário, a história narrada poderia ter como modelo a nossa própria realidade, buscando apenas adicionar a ela uma narrativa fictícia, porém realista. Uma história dos seres humanos em face da ciência, sem monstros ou heróis de outros planetas, sem conceitos inventados.
A isso geralmente é dado o nome de “Hard Science Fiction” ou Ficção Científica “Hard”, um interessante hibridismo com valor literário entre a ficção e o texto científico. Isaac Asimov foi um grande escritor do gênero.
Asimov era um mestre nas duas coisas e escreveu alguns de seus romances seguindo as “regras” do que forma uma ficção científica hard. Igualmente em seus textos científicos, reverberou a sua habilidade para contar histórias. Em seu livro “Saturno” (1979), o autor constrói os caminhos para um sólido conhecimento sobre bases da astronomia e, em especial, do planeta Saturno, colocando lado a lado as interpretações históricas, míticas e científicas acerca do planeta. Apesar de em alguns momentos usar no texto um estilo similar ao encontrado em sua célebre saga “Fundação”, esta não é uma obra de ficção científica, mas uma divulgação popular de dados científicos. É justamente em um texto como este que o escritor de hard sci-fi pode inspirar sua escrita, e em que o leitor de ficção científica encontrará uma boa literatura.

“Saturno” tem um ritmo instigante e logo nas primeiras páginas o autor nos convence a mergulhar em nossa relação com o planeta anelado, através da aproximação com o mais comum, a observação dos céus. Em seguida, por meio da menção à história da antiguidade clássica, cria um contato próximo entre o leitor e uma “história da relação humana com o planeta Saturno”.
Esses elementos nunca são abandonados e, apesar de não se tratar de um texto de ficção, a sua qualidade narrativa nos faz entender os números astronômicos como parte de uma fantasia sobre gigantes, com medidas e distâncias que podemos apenas sonhar. É esse encantamento da natureza através da ciência que define a Hard Sci-fi e nos eleva a sonhar através de explicações claras, em uma especulação onírica, mas ao mesmo tempo realista.
É como sonhar de olhos abertos, conhecer o mundo e a ciência através de uma contação de histórias e em cada página encaixar um novo pedaço de um imenso quebra-cabeça sobre o distante mais próximo que nossos olhos podem ver.
Show de bola, Stella! O texto nos brinda com uma definição tanto poética quanto exata do subgênero, abrilhantado pelo conjunto de referências a Asimov e o papel da contação oral de histórias, que vem do berço de nossa civilização.