O Terror vai ao Oscar: sobre os medos sociais e seus monstros
- Cleiton Lopes
- 21 de mar.
- 3 min de leitura

Além de Ainda Estou Aqui (2024), de Walter Salles, indicado como Melhor Filme, a premiação de 2025 trouxe uma outra surpresa: um filme de terror indicado na mesma categoria. Apesar de ter grande apelo popular, o gênero nunca agradou muito a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas. Chegando à sua edição de número 97, A Substância (2024), de Coralie Fargeat, é o sétimo filme do gênero a ser indicado na maior categoria da noite. O título se junta a outros como O Exorcista (1973), de William Friedkin, Tubarão (1975), de Steven Spielberg, O Silêncio dos Inocentes (1991), de Jonathan Demme, O Sexto Sentido (1999), de M. Night Shyamalan, Cisne Negro (2010), de Darren Aronofsky e Corra! (2017), de Jordan Peele. Para além de A Substância, Nosferatu (2024), de Robert Eggers, Alien: Romulus (2024), Fede Alvarez e A Garota da Agulha (2025), de Magnus von Horn – esse último concorrendo a Melhor Filme Internacional com a produção brasileira – também estão presentes indicados em outras categorias. Mas o que poderia justificar essa presença de tantos títulos de terror nesta edição?

No cinema, o terror costuma responder mais rapidamente ao que está acontecendo na sociedade. Nas décadas de 1960 e 1970, por exemplo, a revolução sexual dominava o debate público. Métodos contraceptivos como a pílula do dia seguinte dava uma liberdade maior às mulheres ao possibilitá-las de terem relações sexuais sem o risco de engravidarem. O cinema personificou esse “medo de ter filhos”, através do terror em títulos como O Bebê de Rosemary (1968), de Roman Polanski e no já citado O Exorcista. Os monstros dos filmes são as crianças e, no caso de Rosemary, é um medo de uma criança que ainda nem nasceu.
Atualmente o mundo tem demonstrado sintomas do retorno de ameaças que pareciam a muito tempo extintas. Pautas que tinham progredido fortemente nos últimos anos têm sido ameaçadas por um conservadorismo que chega a ser criminoso.
O exemplo mais comentado dos últimos dias tem sido o retorno de Donald Trump ao poder. Logo nos primeiros dias, ele já revogou diversas medidas de governos passados numa busca de fazer a “américa grande novamente”, mesmo sem indicar exatamente quando exatamente ela foi grande – seria a época da escravidão? Temos aqui também na nossa vizinha Argentina uma versão latina do presidente alaranjado, com Javier Milei que tem ideias tão conservadoras e que beiram o crime como as do presidente estadunidense.
Os quatro filmes de terror do Oscar de 2025 têm como protagonista mulheres e seus medos. Por exemplo, A Substância fala sobre o etarismo, o medo de envelhecer. Na verdade, sobre como a sociedade enxerga o envelhecimento das mulheres, mesmo que essa mulher seja a Demi Moore.
Pensando socialmente, um movimento machista e misógino de homens chamado Red Pill – uma referência a pílula vermelha do filme Matrix (1999), das irmãs Wachowski e que prega que eles conseguem enxergar o mundo como ele realmente é – fala, entre outros absurdos, a respeito de um “valor de mercado das mulheres”. Seus membros acreditam que as mulheres perdem seu valor de acordo com a idade que têm e que essas devem ser evitadas.
Outro exemplo é Alien: Romulus. A franquia Alien pode ser visto como uma metáfora sobre o estupro. Pessoas são violentadas por um ser estranho que deixa marcas em seu corpo e nasce um ser indesejado. Visualmente, a cabeça do alien, o xenomorfo, tem um formato fálico que lembra muito um pênis ereto.
Atualmente têm sido expostos diversos casos de abuso e feminicídio. Não existe um dia que se ligue a televisão e isso seja notícia. Não somente de anônimos, mas com o envolvimento de muitos famosos. Anteriormente, esses últimos tinham grande chance de saírem impunes, hoje são confrontados quanto a suas responsabilidades. Mesmo assim, existem movimentos que negam esses acontecimentos e acreditam que tudo não passa de uma grande vitimização. O medo então não é somente de ser abusado – lembrando que tanto homens quanto mulheres podem sofrer abuso – mas como lidar com esse monstro depois do caso exposto. Seja pela presença de uma criança indesejada ou pela falta de validação de sua palavra. Inclusive, nosso Trump Latino, Milei, já está falando em tirar o feminicídio do código penal argentino.
Sendo assim, o terror e seus mais diversos subgêneros trazem consigo a encarnação dos nossos piores medos e anseios. Ele olha diretamente para aquilo que nos assombra e personifica em forma dos mais diferentes monstros.
Talvez, por isso seja tão difícil para alguns olhar para cenas que podem ser perturbadoras. Elas simplesmente refletem o que existe dentro de nós mesmos.
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