“Quem tem medo do lobo mau?” e para que serve um filme de terror?
- Cleiton Lopes
- há 3 dias
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Histórias de terror existem desde a época em que os ensinamentos eram passados de forma oral. O folclore mundial, inclusive o brasileiro, é recheado de figuras sobrenaturais que assombram as pessoas. Essas narrativas também estão presentes no cinema desde a sua criação, no final do século XIX. Contudo, após as atrocidades da Segunda Guerra Mundial, como os campos de concentração, o temor das lendas diminuiu. Vampiros, lobisomens e fantasmas deixaram de causar tanto medo como antigamente. A humanidade se provou mais assustadora do que isso.
Diante de tais acontecimentos reais, os filmes de terror passaram a refletir de forma mais intensa aos acontecimentos da sociedade. Por exemplo, nos anos 1960 e 1970, o avanço do feminismo e as lutas pelos direitos civis impulsionaram diversas mudanças sociais. No mesmo período, surgem os métodos anticoncepcionais como a pílula do dia seguinte. Isso proporcionou às mulheres um pouco mais de liberdade para poderem se relacionar sem medo da gravidez. Como resposta, o cinema materializa nas telas o “medo de ter filhos” através de produções que traziam crianças amaldiçoadas no enredo. Nesse período, foram lançados títulos como O Bebê de Rosemary (1968), de Roman Polanski, O Exorcista (1973), de William Friedkin e A Profecia (1976), de Richard Donner.

Em tempos mais recentes, o cinema de terror tem furado a bolha e chegando até aos que não eram muito afeitos ao gênero. Isso graças ao tratarem de temas sociais e reflexões que até então não eram feitas, envolvendo determinadas populações como mulheres e pessoas pretas. Além disso, os filmes foram realizados pelas próprias pessoas que sofreram determinadas injustiças apenas por serem quem elas são. Isso reflete em produções mais consistentes e que retratam experiências realmente vividas.
Na introdução do livro A Dama e a Criatura, de Mallory O’Meara, a biografia da artista Milicent Patrick, responsável pelo design da criatura do filme O Monstro da Lagoa Negra (1954), de Jack Arnold, a autora diz:
A maioria da população, no entanto, vê na tela algo que é uma versão exagerada do seu dia a dia. Tais forças são algo com que as mulheres precisam lidar diariamente. Assistir a Nancy Thompson escapar dos pervertidos ataques de Freddy Krueger em A Hora do Pesadelo me lembra o fato de que todos os dias tenho de me afastar de homens bizarros no metrô, que insistem em pedir que eu sorria para eles. As mulheres são o elemento fundamental do horror, já que, na maioria, elas são as vítimas do horror. Mulheres precisam suportar, lutar e sobreviver – tanto nos filmes como na vida real. São elas que vivem sob o risco de serem atacadas pelos monstros do mundo real.
Ao trabalhar com um outro viés dessa temática, A Substância (2024), de Coralie Farjeat, traz um olhar sobre as pressões estéticas impostas às mulheres. Retratando uma mulher cujo a busca pela juventude e um corpo perfeito, acaba a transformando em um monstro. Já Corra! (2017), de Jordan Peele, trouxe reflexões sobre racismo realizado por uma pessoa que já sentiu isso na pele. O mais incrível é conseguir fazer com que pessoas que nunca passaram por uma situação parecida, experimentassem o horror que é ser uma pessoa de cor em uma sociedade preconceituosa.
Então, por que gostamos tanto de filmes de terror? A razão é que esse tipo de filme escancara verdades dos seres humanos. Vemos de forma visceral o que somos capazes de fazer. Isso permite reflexões a respeito de temas espinhosos e muitos que até a pouco tempo, eram tidos como menores. O terror é mais verdadeiro e diz mais sobre nós do que aquele falso sorriso do horário do almoço.
Referência Bibliográfica
O’MEARA, Mallory. A Dama e a Criatura. Editora DarkSide, São Paulo, 2006.





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