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Foto do escritorNathália Bonfim

Os medos da infância em "Coraline"

Nathália Bonfim é artista e ilustradora. Escreve para a Especular na coluna de Fantasia e Terror











Coraline Jones é uma criança de onze anos que acabou de se mudar da sua cidade natal, Pontiac, no Michigan, para um antigo casarão no Oregon, o Palácio Cor de Rosa. Apesar do colorido no nome, a vida e rotina de Coraline tem sido em escalas de cinza desde a sua mudança: ela deixou para trás seus amigos de colégio, o caminhão da mudança se perdeu no meio da estrada e seus pais, Charlie e Mel Jones estão muito ocupados para dar atenção à filha, trabalhando em seu novo catálogo de jardinagem.


Entretanto, a rotina tediosa e solitária de Coraline tem uma reviravolta, quando em certa madrugada, pequenos ratinhos saltadores a guiam para uma pequena porta que, em teoria estava selada, em um dos cômodos da nova casa. A garota descobre uma passagem secreta que a leva para a mesma casa, porém em outra dimensão. O Palácio Cor de Rosa é o mesmo, o papel de parede é o mesmo, e lá também estão os mesmos pais da Coraline, porém, muito mais atenciosos, preocupados e dispostos a dar carinho e amor para a filha. Há apenas um pequeno detalhe: eles possuem botões costurados no lugar dos olhos.


Coraline e a Porta Secreta (2009). Fotografia: IMDB.

Quem era criança, ou mesmo adulto, em 2009, presenciou o burburinho que o lançamento do filme gerou. A animação de Henry Selick adaptando a obra escrita de Neil Gaiman em stop-motion causou efeitos diversos no público, desde relatos de crianças passando mal na sessão do cinema e pais em estado de pânico, até aqueles que se deixaram fascinar pela estética spooky do filme e pelo carisma da protagonista de cabelos azuis e capa de chuva amarela. Eu, particularmente, vim do último grupo.


Afinal, é sempre um tema delicado explorar o terror em obras infantis, visto que há naturalmente um estigma acerca do gênero e acerca da castidade, vamos assim dizer, associada às crianças. Em resumo, terror não é coisa de criança! E quando adultos se deparam com uma obra em que seres malignos que fingem ser seus pais querem costurar botões nos olhos de crianças, é natural que não queiram deixar que seus filhos assistam tal tipo de filme por medo da reação dos pequenos.


O terror infantil é um gênero muito pouco explorado, mas que possui obras muito interessantes no cinema. A Casa Monstro (2006), é um predecessor de Coraline em que um grupo de crianças exploram uma casa abandonada do bairro, que também gerou polêmica na época entre os pais.


Como resultado, muitas pessoas só chegaram a assistir Coraline depois de adultas. Porém, apesar de ser um filme infantil, o terror, certamente, atinge a todos quando o assunto é o perigo latente e crueldade apresentados pela Outra Mãe, do Outro Mundo.


Afinal, a Outra Mãe é na verdade uma força da natureza que tem como único objetivo se alimentar. Ela criava bonecas com olhos de botão semelhantes às crianças que já moraram no Palácio Cor de Rosa, e observava cautelosamente através dos olhos das bonecas o que desagradava às crianças e era assim que ela as capturava para o Outro Mundo. Uma vez que a criança recebia a promessa de felicidade e diversão eterna, à custo de seus olhos, a Beladama (Outra Mãe) rouba sua alma, e a criança fica presa para sempre na dimensão paralela.


A primeiro momento, capturar crianças parece ser o caminho mais fácil para a Beladama, por, em teoria, serem mais fáceis de serem conquistadas e enganadas, e provavelmente tenha sido esse tropo que foi pensado para “pegar” as crianças que estariam vendo o filme. Porém, em certo momento é mostrado que a Outra Mãe pega até mesmo os adultos: ela engana os pais de Coraline para atrair a menina de volta para o Outro Mundo, após ter conseguido fugir. 


Fantasmas das crianças no filme "Coraline", de 2009

Nem mesmo os adultos estão imunes de serem observados através dos olhos da boneca. Até mesmo os pais, por mais ocupados e ríspidos que sejam, sentem falta do carinho e afeto da filha, e, apesar de não ser mostrado, faria sentido que a Beladama tenha se aproveitado desse sentimento e, quem sabe, se transformado numa Coraline de olhos de botões para enganá-los e atraí-los para sua armadilha.


O terror em Coraline é, portanto, este: pega nos nossos pontos mais sensíveis enquanto crianças, e em alguns inesperados enquanto adultos. Sendo ou não um grande fã de terror, é possível aproveitar o filme em todas as suas nuances, seja pela coragem e espontaneidade da protagonista, pela beleza gráfica que só stop-motion tem a oferecer ou pela própria história. Coraline é um clássico da animação e do terror, que vale a pena ser visto e revisitado em todas as idades.

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