Coraline Jones é uma criança de onze anos que acabou de se mudar da sua cidade natal, Pontiac, no Michigan, para um antigo casarão no Oregon, o Palácio Cor de Rosa. Apesar do colorido no nome, a vida e rotina de Coraline tem sido em escalas de cinza desde a sua mudança: ela deixou para trás seus amigos de colégio, o caminhão da mudança se perdeu no meio da estrada e seus pais, Charlie e Mel Jones estão muito ocupados para dar atenção à filha, trabalhando em seu novo catálogo de jardinagem.
Entretanto, a rotina tediosa e solitária de Coraline tem uma reviravolta, quando em certa madrugada, pequenos ratinhos saltadores a guiam para uma pequena porta que, em teoria estava selada, em um dos cômodos da nova casa. A garota descobre uma passagem secreta que a leva para a mesma casa, porém em outra dimensão. O Palácio Cor de Rosa é o mesmo, o papel de parede é o mesmo, e lá também estão os mesmos pais da Coraline, porém, muito mais atenciosos, preocupados e dispostos a dar carinho e amor para a filha. Há apenas um pequeno detalhe: eles possuem botões costurados no lugar dos olhos.
Quem era criança, ou mesmo adulto, em 2009, presenciou o burburinho que o lançamento do filme gerou. A animação de Henry Selick adaptando a obra escrita de Neil Gaiman em stop-motion causou efeitos diversos no público, desde relatos de crianças passando mal na sessão do cinema e pais em estado de pânico, até aqueles que se deixaram fascinar pela estética spooky do filme e pelo carisma da protagonista de cabelos azuis e capa de chuva amarela. Eu, particularmente, vim do último grupo.
Afinal, é sempre um tema delicado explorar o terror em obras infantis, visto que há naturalmente um estigma acerca do gênero e acerca da castidade, vamos assim dizer, associada às crianças. Em resumo, terror não é coisa de criança! E quando adultos se deparam com uma obra em que seres malignos que fingem ser seus pais querem costurar botões nos olhos de crianças, é natural que não queiram deixar que seus filhos assistam tal tipo de filme por medo da reação dos pequenos.
O terror infantil é um gênero muito pouco explorado, mas que possui obras muito interessantes no cinema. A Casa Monstro (2006), é um predecessor de Coraline em que um grupo de crianças exploram uma casa abandonada do bairro, que também gerou polêmica na época entre os pais.
Como resultado, muitas pessoas só chegaram a assistir Coraline depois de adultas. Porém, apesar de ser um filme infantil, o terror, certamente, atinge a todos quando o assunto é o perigo latente e crueldade apresentados pela Outra Mãe, do Outro Mundo.
Afinal, a Outra Mãe é na verdade uma força da natureza que tem como único objetivo se alimentar. Ela criava bonecas com olhos de botão semelhantes às crianças que já moraram no Palácio Cor de Rosa, e observava cautelosamente através dos olhos das bonecas o que desagradava às crianças e era assim que ela as capturava para o Outro Mundo. Uma vez que a criança recebia a promessa de felicidade e diversão eterna, à custo de seus olhos, a Beladama (Outra Mãe) rouba sua alma, e a criança fica presa para sempre na dimensão paralela.
A primeiro momento, capturar crianças parece ser o caminho mais fácil para a Beladama, por, em teoria, serem mais fáceis de serem conquistadas e enganadas, e provavelmente tenha sido esse tropo que foi pensado para “pegar” as crianças que estariam vendo o filme. Porém, em certo momento é mostrado que a Outra Mãe pega até mesmo os adultos: ela engana os pais de Coraline para atrair a menina de volta para o Outro Mundo, após ter conseguido fugir.
Nem mesmo os adultos estão imunes de serem observados através dos olhos da boneca. Até mesmo os pais, por mais ocupados e ríspidos que sejam, sentem falta do carinho e afeto da filha, e, apesar de não ser mostrado, faria sentido que a Beladama tenha se aproveitado desse sentimento e, quem sabe, se transformado numa Coraline de olhos de botões para enganá-los e atraí-los para sua armadilha.
O terror em Coraline é, portanto, este: pega nos nossos pontos mais sensíveis enquanto crianças, e em alguns inesperados enquanto adultos. Sendo ou não um grande fã de terror, é possível aproveitar o filme em todas as suas nuances, seja pela coragem e espontaneidade da protagonista, pela beleza gráfica que só stop-motion tem a oferecer ou pela própria história. Coraline é um clássico da animação e do terror, que vale a pena ser visto e revisitado em todas as idades.
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