Mesmo com o sucesso da saga dos Grisha, da escritora estadunidense Leigh Bardugo, há quem diga (eu, por exemplo) que a duologia Six of Crows (2015), lançada poucos anos depois no mesmo universo, é infinitamente melhor do que a trilogia original. É claro que toda opinião é pessoal, portanto, depende do gosto de cada leitor, mas quando analisamos a maneira com que cada obra constrói o mundo ao seu redor, fica claro porque só um deles parece tão genuíno.
Six of Crows conta a história de um grupo de foras da lei que se unem para cometer o crime perfeito e comprar suas liberdades. No entanto, Kaz, Inej, Matthias, Nina, Wylan e Jasper não são os únicos protagonistas do livro. Ketterdam, mais especificamente o Distrito do Barril, onde as gangues e as casas de entretenimento fazem dos cidadãos escravos do dinheiro, é o verdadeiro núcleo da narrativa. É a cidade que dita as regras e que forja a personalidade de cada personagem, para que eles se tornem quem precisam ser, para sobreviver naquele ambiente hostil.
Além do lugar de destaque para o próprio ambiente em que o livro se passa, Leigh Bardugo utiliza a regra de ouro na construção de mundos: a sutileza.
Em mais de uma instância, a autora referencia um famoso grupo performático chamado Komedie Brute, que apresenta personagens e histórias que fazem parte do imaginário de todo habitante de Ketterdam. Tão conhecido para os personagens quanto Romeu e Julieta é para nós, em nenhum o ritmo da narrativa é interrompido para explicar o que essa trupe representa. Além de desnecessária para o enredo imediato, essa informação (também conhecida como info-dumping) soaria artificial para uma sociedade na qual a Komedie Brute é parte tão importante.
E é em reconhecer que é impossível dizer tudo sobre um mundo que reside a sutil genialidade de Six of Crows. Mostrar que Ketterdam tem uma cultura para além do que é conveniente para a história é criar uma complexidade que não cabe no que é dito explicitamente.
"[...]reconhecer que é impossível dizer tudo sobre um mundo [...]" Genial, Julia!
A riqueza de um mundo está em seus detalhes, sejam contados, apenas insinuados... ou simplesmente preenchidos pela criatividade do leitor. Orquestrar todos os detalhes também podem insinuar necessidade de controle ou demasiadas simplificações, haja vista que ninguém domina todas as informações do mundo.
Adoro Senhor dos Anéis, porém, não me recordo de Tolkien descrever enfadonhamente os sistemas econômicos que regem a Terra-Media.
Também faço parte do time que afirma que Six of Crows é infinitamente melhor que a trilogia Grisha. Embora a história da Alina apresente bem o sistema de magia e os Santos, é dentro da jornada dos Crows que a autora apresenta toda a riqueza de detalhes desse mundo e faz com que os leitores sejam transportados para as ruas, vivências costumes e culturas de Ketterdam. Ótimo texto! Muito bom ver mais pessoas enaltecendo esse universo incrível :)