Eunice Paiva: A Rainha do Ignoto
- Luis F. Buzzato

- há 15 minutos
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Em 2024, esse nome ficou famoso por todo o Brasil.
Ativista pelos direitos humanos e advogada, Eunice foi rememorada pela obra Ainda Estou Aqui, na qual narra os horrores da ditadura militar com foco em sua família, após a censura prender seu marido, Rubens Paiva, engenheiro civil e deputado, pela atuação política.

Em paralelo, a obra Rainha do Ignoto (1899), a primeira do gênero fantástico em solo brasileiro, narra uma personagem misteriosa, que por meio da hipnose assume diversas identidades para salvar mulheres, escravizados e pessoas oprimidas pela sociedade colonial.
No Prefácio da obra, Emília Freitas afirma que sua protagonista não é impossível, mas impossibilitada. Assim como Eunice Paiva, a personagem mergulha em seus sentimentos na luta pela sobrevivência de outros e nas memórias escondidas sobre tudo que já amou na vida.
O mais interessante desta protagonista é a ausência de um nome: apenas assume identidades de mulheres: como quando seu nome é Diana, para ajudar Carlotinha a superar os traumas interiores; e fazer justiça por Virginia, uma moça órfã e maculada pela exploração de sua família.
Pensando na vida de Eunice Paiva, retratada pela obra audiovisual do cinema, é aqui que o fantástico ganha tons de vida, na relação que estabelece com a realidade.
Descrita por Freitas, A Rainha do Ignoto é uma heroína que pode ser qualquer mulher nas condições de poder que estiverem à disposição para mudar o destino. Para isso, Paiva também se torna a Rainha do Ignoto ao se estabelecer como chefe da casa, lutar pelos filhos e pela justiça de seu marido, assassinado injustamente pela ditadura.
Trata-se da coragem para sorrir na foto que coloca a heroína impossibilitada de Freitas como possível na figura histórica de Eunice Paiva, ao representar as mulheres brasileiras com afinco: coragem para ser feliz, para recomeçar, para não esquecer do passado e cobrar justiça pelos seus.
Como citado em colunas anteriores – aqui –, Sylvia Alaimo propõe o movimento de transcorporação em combate às dualidades e os binarismos. Embora Alaimo coloque explicitamente o transcorporar em matérias não-humanas, o exercício da protagonista de Freitas assumir várias mulheres em uma, e de Paiva representar a polifonia das vozes femininas, é transcorporar o coletivo por meio de uma história singular. Ainda que não represente o todo, ela pode conversar com o que nela se espelha.
Dessa maneira, a transcorporação produzida pelas duas personagens é idêntica: Paiva é toda mãe, é toda viúva, toda esposa; e A Rainha do Ignoto é toda filha, toda doméstica, toda cientista não-nascida ainda. O ser-não-sendo possibilita as impossibilidades de um mundo que insiste em ver apenas uma métrica da história e dos corpos. É o movimentar de Alaimo ao reverso, de se perceber no outro e estar com o outro.
É assim, cara pessoa-leitora, que o fantástico atravessa a fronteira da vida: quando Eunice Paiva torna-se a Rainha do Ignoto e a Rainha do Ignoto quer se tornar Eunice Paiva.
REFERÊNCIA:
Edilane Ferreira, d. S. (2020). Mulheres, natureza mais-que-humana e movimentos transcorpóreos em contos de fadas de marina colasanti. Revista Ártemis, 29(1), 14-29. doi:https://doi.org/10.22478/ufpb.1807-8214.2020v29n1.52908





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