Neste Halloween, um mundo sombrio e melancólico se aproxima de você, pois atravessaremos os portões do Cemitério Secreto de Ímpar para conhecer as criações da artista que costura histórias macabras a ilustrações de beleza singular no horror brasileiro.
A ilustradora Ímpar, residente em Curitiba (PR) e discente de Artes Visuais na Escola de Belas Artes do Paraná, é criadora da Plante Meus Ossos, um universo voltado para a arte melancólica, sensível e obscura que dialoga com a morte, o sofrimento e a decomposição, influenciada pela literatura gótica e vitoriana e ilustrações clássicas de horror. Voltada à arte tradicional, seu material de trabalho é o nanquim e o bico de pena, criando ilustrações que exploram a botânica, criaturas mitológicas, animais e obras literárias.
Neste ano, a artista escreveu e ilustrou o livro “Todo Jardim é Um Cemitério Secreto”, que contém três contos de horror ilustrados à mão e está em campanha de financiamento coletivo no Catarse. Entre suas influências para o desenvolvimento da obra, ela afirma que as mulheres na literatura foram pontos focais para a construção narrativa:
“A melancolia e a dor de Clarice Lispector e Sylvia Plath, a delicadeza e fluidez de Virginia Woolf e o horror em sua forma mais brutal e sensível de Mary Shelley foram, sem dúvidas, os meus pontos de luz (ou escuridão) na escrita.”
Aproveitando o lançamento de seu primeiro livro, conversei com a artista sobre seu processo de criação, suas influências e sua estreia no campo literário, considerando suas vivências enquanto mulher neurodivergente e artista independente. Confira, abaixo, a entrevista com Ímpar:
Gaia: Ímpar, um bom e assombroso dia! Agradeço pelo seu tempo para conversar comigo sobre o seu trabalho, pelo qual eu tenho a maior admiração. É um prazer enorme trazer para a Revista Especular um pouco sobre a sua arte. Nesta coluna falamos sobre mulheres na ficção, e gostaria que você fizesse uma breve apresentação sobre você, sua trajetória na arte e os desafios que você enfrenta enquanto mulher e artista independente.
Ímpar: Desde já agradeço pelo convite e pela oportunidade de poder apresentar um pouquinho sobre meu trabalho sendo ilustradora! Sou a Ímpar, ilustradora e artista visual, curso Bacharelado em Artes Visuais aqui, em Curitiba, e tenho 24 anos. Minha trajetória na arte começou muito cedo, fazendo ballet, circo, teatro e outras formas de expressão dentro desse universo gigantesco da arte, sempre desenhei como forma de expressão já que fui uma criança e adolescente bem solitária e isolada em uma cidade pequena no interior de SP.
Minha trajetória como ilustradora começou junto da faculdade onde comecei a desenvolver a Plante meus Ossos, que se tornou minha marca e selo de produtos ilustrados que construí aos pouquinhos. A ilustração é extremamente desvalorizada dentro da Academia de Artes, tanto que não temos matéria sobre ou qualquer incentivo diante dessa forma de produção artística, então desde o início foi muito difícil me inserir nesse universo, aprendi tudo sozinha. Sendo neurodivergente e mulher as pessoas ainda tendem a duvidar da capacidade e até diminuir por ter esses estereótipos já concebidos, então tive que correr muito atrás para ser reconhecida aos poucos. Participei de diversas feiras de arte durante os últimos anos para começar a conhecer e trilhar esse caminho como ilustradora, e assim fui me inserindo nesse ramo e descobrindo como fazer minha própria pilha de morcegos para me perseguirem nesse bosque obscuro do nanquim e bico de pena.
Gaia: Sobre a sua estreia no campo literário, como surgiu a ideia do livro e como foi a sua preparação para escrever os contos?
Ímpar: “Todo Jardim é um Cemitério Secreto” surgiu como forma de resistência no campo das Belas Artes. Por as Artes Visuais em seu centro acadêmico ser ainda muito vanguardista e fechado para novas formas de expressão artística, me vi em uma gaiola dentro da universidade, onde só as técnicas milenares eram valorizadas e validadas como arte com A maiúsculo. Então decidi fazer um livro ilustrado como meu TCC.
Por eu já ter desenvolvido uma linguagem visual e artística nas minhas ilustrações em nanquim, trazendo temáticas repetitivas como a morte em sua forma lúdica, elementos do horror como vampiros e fantasmas, buscando sempre um diálogo com a decomposição e a botânica, criar essas histórias visuais com textos curtos dentro da narrativa não foi algo de extrema dificuldade.
Gaia: Quais foram as suas inspirações para o desenvolvimento das narrativas e das ilustrações?
Ímpar: As mulheres na literatura sempre foram minhas maiores inspirações, a melancolia e a dor de Clarice Lispector e Sylvia Plath, a delicadeza e fluidez de Virginia Woolf e o horror em sua forma mais brutal e sensível de Mary Shelley foram, sem dúvidas, os meus pontos de luz (ou escuridão) na escrita.
Já na parte visual minhas inspirações correm desde o mais antigo com os mestres da ilustração no movimento do século 19 na “Era de Ouro da Ilustração” como Harry Clarke e Ida Rentoul Outhwaite até o mais contemporâneo como Edward Gorey na parte de bico de pena e nanquim, e no cinema trago na bagagem Tim Burton e Guillermo del Toro.
Gaia: Como foi a experiência de escrever partindo do campo das Artes Visuais? No livro, a narrativa foi desenvolvida a partir das ilustrações?
Ímpar: Minha imaginação sempre foi muito visual, nunca textual. Andando pelos lugares que gosto de explorar como bosques, cemitérios e lugares abandonados, essas histórias iam surgindo na minha cabeça e eu comecei a desenhar elas no meu pequeno caderno de pesadelos. Então acredito que foi uma mistura dos dois, as histórias foram criadas a partir das ilustrações e as ilustrações através das histórias.
Gaia: Quais são as temáticas principais dos contos e como elas se relacionam com o trabalho de criação visual que você vem fazendo na Plante Meus Ossos?
Ímpar: As temáticas principais são a relação com a morte de forma vulnerável e melancólica, perspectivas sobre os sentimentos de solidão e luto de forma lúdica, trazendo elementos de fantasia para os personagens conseguirem passar por esses momentos pesados de suas narrativas, e a relação intrínseca com a botânica e o mundo natural ao redor que toma conta de tudo que morre ou se é abandonado. Essas temáticas sempre estiveram em minhas ilustrações, sejam com corpos apodrecendo, personagens com expressões tristes e solitárias, elementos da estética do gótico que propõem essa melancolia e como principal, a natureza tomando conta desses corpos e lugares que eu desenvolvo universos através do nanquim.
Gaia: Sobre a publicação do livro, por que você optou pela campanha de financiamento coletivo? Há apoio editorial para a publicação?
Ímpar: Por eu já ter apoiado muitas obras e projetos por financiamento coletivo, já era um lugar de conforto e conhecimento de minha parte, pensando nisso vi que era uma forma prática e acessível para todos conhecerem o projeto e poderem apoiar de forma tranquila, já que publicar um livro independente tem suas diversas dificuldades sem o apoio de uma editora.
Depois de um certo tempo, entrei em contato com a editora Diário Macabro para conversar sobre uma proposta de suporte no projeto editorial do livro e em outros trabalhos dentro da campanha que não eram de minha sabedoria, acabamos fazendo uma parceria para isso, mas continua sendo um projeto e uma publicação independente.
Gaia: Como é possível acompanhar e apoiar o seu trabalho?
Ímpar: Você pode acompanhar meu trabalho através do Instagram @plantemeusossos e para apoiar o livro você pode acessar o link que está no perfil ou ir diretamente para a plataforma do Catarse procurando pelo nome do livro Todo Jardim é um Cemitério Secreto.
Gaia: Muito obrigada pela entrevista! Você gostaria de compartilhar mais alguma informação ou deixar um recado para os leitores da coluna?
Ímpar: Apoie artistas independentes, viver de arte no Brasil é extremamente difícil e negligenciado, então com o apoio de vocês esse sonho pode se tornar possível. E não esqueçam: o horror persiste, e nós também.
Dessa forma, encerro minha entrevista com a ilustradora, e reforço seu apelo para olharmos para artistas independentes a fim de conhecer seu trabalho e incentivar a diversidade no meio artístico, que resiste à precariedade do incentivo estatal e ao desemprego estrutural que forçam a classe artística a uma atuação autônoma e condições informais de trabalho.
Artistas são trabalhadores, despendem energia e força de trabalho e a maior parte de sua produção é invisibilizada nos bastidores da criação. E o campo do horror, muitas vezes desprezado no meio artístico, segue a todo vapor na construção de novos mundos, especialmente construídos pelas mãos de mulheres e pessoas LGBTQIA+.
Olhe para os lados nas feiras artísticas da sua cidade, sem dúvidas há uma variedade de artistas trilhando um caminho independente da Academia de Artes. E se você, assim como eu, é de Curitiba, não deixe de prestigiar o estande da Plante Meus Ossos e muitos expositores locais na Mamute 2024, a feira gráfica, criativa, literária e autoral que acontecerá no dia 9 de novembro, no centro da cidade.
Espero que tenham aproveitado a estadia neste universo obscuro e que caminhem em segurança pelas sombras ao lado de seus fantasmas. Um ótimo Halloween para você e que, assim como horror, a gente siga persistindo.
Comments