top of page
  • Instagram

Estamos vivendo uma distopia: a posse de Donald Trump, Necropolíticas e o papel da Ficção Científica

Foto do escritor: Gabriel MelloGabriel Mello
Gabriel Mello










O cenário geopolítico não se mostrava em extrema tensão, como vemos agora, há bastante tempo. E isto pode ser percebido através da busca por parte de diversos grupos e classes da sua parte do sensível (Jacques Rancière) em um debate que vai muito além do individual. Se tratando de linguagens especulativas, denúncias e manifestos aparentemente soavam como um mero jogo de uma, também, grande negociação. Autores expunham seus limites e tramitavam ideologias com uma comunidade geral. Isto, claro, em contextos cabíveis.


George Orwell, por mais polêmico que seja, por exemplo, tramitou sua ideologia através do clássico "1984". Pouco tempo antes, Karin Boye havia feito algo parecido através de "Kallocaína". E o que ambas obras têm em comum? Um posicionamento sobre as chamadas necropolíticas.


A necropolítica, conceito desenvolvido por Achille Mbembe, refere-se ao uso do poder político para determinar quem deve viver e quem deve morrer.

Em "1984" a governança totalitária liderada pelo Grande Irmão exerce controle absoluto sobre os indivíduos, decidindo não apenas suas ações, mas até mesmo seus pensamentos, em um regime que marginaliza e elimina qualquer forma de dissidência. Já em "Kallocaína", Boye apresenta uma distopia onde o Estado também usa táticas biopolíticas, como a utilização de uma droga que expõe as mentes dos indivíduos, transformando a privacidade e a autonomia em ameaças ao regime.


Ambas são obras que vão além de ficcionalizar o controle extremo sobre vidas humanas, servindo como manifestação contra os mecanismos de seleção e exclusão inerentes às necropolíticas.


Recentemente o mundo pareceu parar de respirar ao observar um articulado programa de retorno destas tais necropolíticas. Ingenuidade seria acreditar que algum dia elas se foram; mas, enxergá-las mais uma vez como pauta coletiva, ou até mesmo como questão de política pública, representa um regresso assustador.


Donald Trump tomou posse como o 47º presidente dos Estados Unidos numa segunda-feira, com um discurso extremamente claro: "Tornar a América grande novamente". Mas o que isso significa, no fim do dia? Em um contexto onde políticas excludentes ganham força, o discurso de Trump torna-se o tão aguardado gatilho para as desejadas, e articuladas, implementações políticas que determinam quem vive e quem morre; quem existe e quem é apagado. E tudo fica ainda mais claro quando, no mesmo contexto, Elon Musk, bilionário financiador de inúmeras necropolíticas, realiza uma saudação em apologia ao nazismo, sendo esta atitude um lembrete alarmante de que as ideologias autoritárias sobrevivem.


Ainda dentro do discurso de posse de Donald Trump, a afirmação de que "será a política oficial do governo dos Estados Unidos que existam apenas dois gêneros, masculino e feminino" faz com que nos enxergamos personagens de distopias já vigentes, que até então pareciam impossíveis de serem reais, onde gênero e sexualidade são subvertidos como políticas de alienação, controle e domínio de ordem privada.


"O Conto da Aia" (1985)
"O Conto da Aia" (1985) é um romance distópico a autora canadense Margaret Atwood.

Em "O Conto da Aia", de Margaret Atwood, por exemplo, vemos uma realidade bastante parecida com a que Trump defende, onde o controle sobre os corpos femininos é institucionalizado, limitando as mulheres a papéis reprodutivos e eliminando qualquer expressão de sua autonomia. Esse tipo de controle, refletido nos discursos que acompanhamos, reforça que o poder político já está em voga como ferramenta de submissão.


Por isso, olhar para o calendário, e perceber que retrocessos ainda são mantidos, nos faz querer saber quão longe realmente estamos de viver uma distopia. Quando as estruturas políticas começam a se alinhar com os elementos mais sombrios da ficção científica, é necessário perguntar quais passos serão dados por nós, especuladores, para evitar que o imaginário distópico se torne ainda mais real.


A ficção científica atua como um espelho crítico da sociedade, mostrando-nos cenários como forma de alerta sobre os perigos de regimes autoritários e de práticas necropolíticas. E, assim como a ficção científica, devemos assumir nossas posições e nos portar como agentes transformadores, utilizando das nossas especulações como verdadeiras ações. Tudo isso como um lembrete de que a resistência é não apenas possível, mas necessária.



41 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Commentaires


bottom of page