
A relação da sociedade contemporânea com Marte é cada vez mais intensa, mas não é nova: uma das histórias mais famosas do século XX envolvendo o planeta vermelho é a leitura na rádio de um trecho de Guerra dos Mundos, de George Orwell, que teria levado os ouvintes ao desespero imaginando que uma invasão marciana estava realmente acontecendo.
Isso aconteceu em 1938. De lá para cá, a ficção científica trouxe ao mundo inúmeras histórias envolvendo visitas à Marte ou de supostos marcianos. Uma recente que me agradou muito foi a série The Expanse, baseada em uma coleção de livros de mesmo nome. Nela, o foco não é Marte, mas a expansão humana pelo universo, com direito à colonização do planeta (e do cinturão de asteroides entre Marte e Júpiter) e posterior independência marciana, levando a uma guerra entre a República Congressista de Marte e a Terra, cujo organismo representativo máximo é a ONU. Na série, a colonização de Marte é levada a cabo com muito trabalho e tecnologia, e a sociedade marciana, que é completamente humana, é extremamente militarizada.
Vem daí meu interesse por The Expanse: a série discute colonização, exploração do trabalho e geopolítica. Para um professor de Geografia e amante da ficção científica, um prato cheio, que remete diretamente a uma discussão bastante presente na vida real hoje: a possibilidade de colonizar Marte — bandeira levantada e sustentada por uma das pessoas mais poderosas do planeta, Elon Musk, herdeiro de uma família colonizadora da África do Sul. Não há coincidências entre a origem do bilionário e seu posicionamento político atual, e isso fica bem claro quando exploramos um pouco mais suas propostas para Marte.
Alguns anos atrás, propus para um dos meus nonos anos uma atividade: decidir se Marte era uma paisagem, um lugar, um território ou um espaço geográfico. Depois de explorar um pouco cada um desses conceitos, pedi para a turma que encontrasse evidências para defender em quais deles o planeta se encaixava. A proposta da atividade era perceber que, dependendo da perspectiva, Marte poderia ser enquadrado em um ou em todos eles, mas, para ser considerado espaço geográfico, ainda falta uma transformação provocada pelo ser humano mais intensa do que a promovida pelos robôs enviados para explorar o planeta.
Foi aí que entraram The Expanse, como um exemplo fictício, e Elon Musk, com sua proposta real e bizarra. Diferente do filme Não olhe para cima, em que, frente à destruição iminente da Terra, apenas a parcela mais rica da sociedade (que desprezou a ameaça e manipulou as massas para fazerem o mesmo) consegue escapar para outro planeta, no projeto de Musk qualquer pessoa poderia participar da colonização de Marte: o bilionário paga a viagem e o interessado trabalha para ele até saldar sua dívida. Lado a lado, uma ideia de tecnologia tão avançada que alcança a ficção científica e uma forma de exploração do trabalho alheia conhecida como escravidão por dívida.
Nada estranho vindo de quem vem, mas proponho aqui olharmos um pouco além da caricatura do bilionário explorador colonizador de planetas: o plano de Musk é real, possível, viável, ou muito mais um discurso para desviar a atenção do que realmente importa, cuidar da Terra, o planeta que já habitamos e que o capitalismo destrói a passos largos? A mensagem de fundo em Não olhe para cima talvez seja muito mais real do que imaginamos...
E você, o que acha? Vou adorar saber sua opinião nos comentários.
Excelente reflexão! Uma das coisas que mais gostei em The Expanse foi essa especulação sobre para onde estamos caminhando e a própria série também me suscitou muitas reflexões, mas uma delas é: Marte é inóspito, vai precisar de um esforço hercúleo para ser terraformado e se tornar habitável (vemos em The expanse que séculos e gerações depois, esse objetivo ainda se encontra longe), então sempre me vem o pensamento: Tanto esforço não seria melhor empregado em cuidar da Terra?
Adorei a proposta de atividade, seus alunos têm sorte.