A coluna de Mulheres na Ficção, entrando em uma nova fase de especulação, me enche de orgulho por muitas razões. Aqui, debatemos a participação feminina no universo da ficção especulativa voltando os olhos para mulheres que consomem e constroem as narrativas. Além disso, buscamos entender como a mulher é escrita, lida e representada nas obras e na arte, mas também como essa representação reflete o que é a mulher na sociedade. Falamos de política, gênero e raça, nos apropriando das pautas do cotidiano para ocupar espaços antes dominados pelo patriarcado, ou que simplesmente não foram ocupados por nós.
Individualmente, para além dos debates sociopolíticos, a Coluna enche-me de orgulho por me desafiar a falar sobre as coisas que permeiam a minha existência como mulher. E sou uma mulher com várias particularidades. Uma delas, das minhas favoritas, compartilho com vocês a seguir. Brinco que sou tão feminina que meu mais proeminente traço de feminilidade é amar mulheres. Mas, por mais que seja parte de quem sou, ter liberdade para expressar essas palavras abertamente nesse espaço é revolucionário. Muitas mulheres antes de mim lutaram para que, sem censura, pudéssemos ver, ler e ouvir sobre o amor entre mulheres.
Uma vez que me entendi como mulher sáfica (uma mulher que ama mulheres), busquei me reconhecer em diversos outros espaços, inclusive na ficção. E eu queria de tudo: desde o romance com a descoberta da sexualidade até a ficção científica onde os personagens são abertamente LGBTQIA+. Na busca por esse material que fizesse com que me sentisse representada, encontrei alguns vieses na ficção sáfica que, felizmente, tem se tornado distantes na geração atual.
Representatividade, apenas
Mencionei recentemente em um debate que participei que, em alguns contextos, quando sentimos a necessidade de representatividade, buscamos a ficção que vai nos ajudar a sentir-se visto. Para a mulher sáfica, essa representatividade esteve por muito tempo presa a uma fórmula trágica, que impossibilita o amor entre as mulheres ou simplesmente não pode ter continuidade por diversas razões.
Falo das fórmulas de representação feminina aqui na Coluna, e, para obras com mínimo de participação de mulheres LGBTQIA+, temos algumas: a descoberta da sexualidade envolvendo um conflito com um homem; tragédia sáfica do passado onde mulheres se amam em segredo; e morte. Além disso, outras armadilhas em busca da representatividade podem ser frustrantes, como queerbaiting e estereótipos de gênero e sexualidade. Por outro lado, a geração atual não só prioriza a diversidade como valoriza representatividade em todos os espaços que ocupam. E, nesses casos, a representatividade LGBTQIA+ protagonizada por essa comunidade marginalizada é não somente consumida como incentivada pelo público. Nesse contexto, mulheres sáficas de todas as idades conhecem uma nova fórmula: a descoberta da sexualidade como um despertar, claro, mas também os finais felizes e os clichês; vilãs sáficas e narrativas dee protagonistas que são lésbiscas ou bisexuais, mas não necessariamente tem sua sexualidade como foco da história. Em cada caso, mulheres podem ser apenas mulheres comuns, com liberdade para amar quem e como quiserem.
A colunista recomenda: Luzes do Norte e Sombras ao Sul, de Giu Domingues; Os Sete Maridos de Evelyn Hugo, de Taylor Jenkins Reid; She-Ra e as Princesas do Poder (2018) e A Criada (2016).
Romântico, mas também político
No Mês do Orgulho LGBTQIA+, os olhos do mundo se voltam para a comunidade. O mês representa visibilidade para pessoas que fogem do padrão heterocisnormativo e sua participação e protagonismo na sociedade. É também um momento de furar a bolha, lutar por nossos direitos, ocupar ainda mais espaços e combater as violências diárias que envolve ser uma pessoa LGBT no Brasil. Para mulheres, por mais que nosso desejo seja viver um clichê e finais felizes, a realidade ainda é assustadora, violenta e nos reprime em muitos espaços.
Para aquelas que buscam um refúgio e identificação na ficção, fica o convite para conhecer e abraçar as possibilidades de consumir e criar os próprios espaços de representatividade. Abram o caminho, quebrem as barreiras, desafiem as estatísticas, especulem e construam seus finais felizes. Por aqui, esta colunista permanece cheia de orgulho.
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