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Nausicaä e a empatia com o meio-ambiente

Foto do escritor: André AgueiroAndré Agueiro
André Agueiro











Antes do Studio Ghibli ser concebido e ter se consolidado como um dos mais relevantes estúdios de animação do mundo, Hayao Miyazaki já produzia narrativas que traziam crianças e seus pontos de vista sobre assuntos vitais, relacionados à existência humana.


E Nausicaä do Vale do Vento (1984) é um grande exemplo de como abordar conceitos alegóricos que dialogam com problemas da vida real. Nesta obra, Miyazaki abrange a temática ambiental como nunca havia feito em sua filmografia posterior – talvez, apenas em Princesa Mononoke (1997). 


O filme se passa na Terra, mil anos após uma guerra global, que dizimou praticamente todos os recursos naturais do planeta. Neste cenário, a humanidade vive num novo tipo de biosfera, que gerou florestas de ar tóxico com animais (insetos, em sua maioria) hostis a quem perturba seu habitat. O ar também é praticamente impróprio para respiração, uma vez que a floresta espalha certos “esporos” que deixam o ar tóxico, como um mecanismo de defesa. E neste mundo distópico, Nausicaä, princesa do Vale do Vento, é uma das únicas pessoas que reconhece o caráter essencial da floresta para a sobrevivência humana, e que exterminá-la significaria exterminar a humanidade também.


Nausicaä com o fóssil de um inseto.
Nausicaä com o fóssil de um inseto.

Misturando elementos de fantasia e ficção científica, a animação nos apresenta a trajetória dessa protagonista, que tenta incessantemente mostrar às pessoas o quão importante é a floresta, indo contra qualquer um que sugira destruí-la – pois, sim, mesmo após o planeta ter sido quase destruído por completo, ainda existem humanos com a intenção de erradicar a floresta.


A conexão de Nausicaä com a natureza e as criaturas vivas ali é algo digno de lição para qualquer espectador. A confiança que ela demonstra com as criaturas é definitivamente tocante, pois, diferente de outros, ela se interessa em entender profundamente como aqueles animais sobrevivem e como o ecossistema da floresta funciona, em vez de assumir uma posição similar à das pessoas no poder, que se sentiam automaticamente ameaçados pelas criaturas que vivem nela, principalmente pelos Ohms – insetos gigantes com centenas de pernas, principais guardiões da floresta, e que já foram responsáveis por destruir cidades que tentaram exterminar seu habitat.


A empatia da personagem com os animais, que parecem assustadores numa primeira impressão, demonstra que falta para a humanidade entender que o Meio Ambiente deveria ser considerado um aspecto sagrado do planeta, e que deveria receber um tratamento delicado e cuidadoso. No entanto, o que nós vemos mais e mais durante o passar do tempo é a destruição de áreas preservadas, o desmatamento, a exploração de recursos naturais (que desequilibram todo o ciclo natural dos biomas) e a poluição desenfreada que nunca parece ter fim. 


Nausicaä conquistando a confiança de um animal selvagem após acalmá-lo.
Nausicaä conquistando a confiança de um animal selvagem após acalmá-lo.

Lidar com a ignorância humana é um aspecto complicado para quem se preocupa com a situação atual da natureza, e como esta vem sendo torturada. De forma similar, Nausicaä tem que lutar contra pessoas poderosas, como a Princesa Kushana, que por temer os insetos esquisitos da floresta, pensa que a única solução é extinguir a selva, a fim de retomar o controle humano sob a Terra, expandindo seu território por vias militares – o que não é surpresa, já que a aparição dessa personagem no filme já se mostra violenta desde o início.


Nesse sentido, um paralelo interessante pode ser traçado: a maneira como a humanidade tende a querer tratar de forma simples assuntos complexos, tal como a preservação do meio-ambiente. Mesmo que estejamos sofrendo muitas consequências devido às mudanças climáticas, esse tema ainda é tratado com pouca prioridade e com soluções não muito pensadas, especialmente se considerarmos a essencial presença da natureza nas nossas vidas.


"As plantas do Mar da Corrupção não são venenosas. A poluição está na terra, mesmo na terra do nosso Vale. Por que... Quem foi o responsável por essa terrível bagunça no mundo?" – Nausicaä.

O jardim da protagonista com plantas que ela mesmo cultivou para aprender sobre elas.
O jardim da protagonista com plantas que ela mesmo cultivou para aprender sobre elas.

O mundo pós-apocalíptico apresentado na animação é a própria consequência da teimosia humana e sua obsessão por controle. Algo que me chamou a atenção na narrativa do filme foi justamente o conhecimento que a protagonista adquiriu através da curiosidade e da paciência em estudar, até que, enfim, compreendesse a floresta que para muitos era resumida apenas a "uma grande ameaça". Essa vontade que Nausicaä tem de assimilar o que estava ao seu redor é exatamente o que trouxe o conhecimento vital de que aquela floresta era a responsável pela manutenção da vida na Terra, uma vez que logo abaixo dela encontrava-se um sistema que purificava a água presente em todo o planeta e que, sem ela, os humanos não sobreviveriam.


Aqui a metáfora fica um pouco mais clara para mim: por destruir os ecossistemas e o Meio Ambiente, justamente os responsáveis por purificar nosso ar e equilibrar a vida na Terra, a humanidade ainda enfrentará diversas consequências causadas pelas mudanças climáticas, assim como Nausicaä e seu povo enfrentam na história.


A abordagem e a ambientação de Miyazaki em suas obras é sempre de tirar o fôlego, e esse filme é mais um exemplar de como temas comumente tratados na ficção científica podem ter uma representação com mais elementos de fantasia, mas ao mesmo tempo tendo um olhar aguçado nas críticas e simbologias colocadas ali, que nos faz refletir sobre o momento atual da aniquilação constante que o Meio Ambiente vem sendo submetido.

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