
Fechando (por enquanto) uma trilogia de textos sobre a franquia Alien aqui na Especular, trago aqui a proposta de uma breve arqueologia de um momento em especial: o (breve) horror cósmico que ecoa pelo universo multimidiático de Alien.
Um dos meus sustos mais legítimos quando assisti Alien (1979) pela primeira vez foi no primeiro ato do longa. Não, não foi um jumpscare do faminto xenomorfo, nem uma revelação mais adiante envolvendo um certo andróide; aconteceu quando a tripulação da Nostromo investigava o misterioso sinal que despertou simultaneamente todo o grupo de seu precioso criossono.
Ao investigarem a fonte do sinal, deparam-se com o que é óbvio e tão estranho ao mesmo tempo: uma nave alienígena. O espaço amplo e vazio em que os curiosos astronautas podem caminhar sugerem uma atividade intensa, em formato de operação, que poderia ter acontecido sem descanso naquele lugar, remetendo a o que hoje explodiu como uma moda na internet: um espaço liminar. Logo depois, vem a revelação: uma criatura humanoide imensa, morta, sentada no assento de piloto ou navegador.
Antes da chegada de Prometheus (2012) e Alien: Covenant (2017), trazendo explicações - ainda que estapafúrdias, totalmente imersas no tropo “eram os deuses astronautas?” - sobre a figura misteriosa, os fãs da franquia apelidaram o simpático cadáver de Space Jockey (jóquei do espaço). O clima era de mistério, algo se escondia por trás das cortinas. Só consigo imaginar a frustração de quem ficou com a pulga atrás da orelha na época e foi agraciado com sequências focadas em ação e grupos, no melhor estilo RPG, de militares entrando e saindo de locais infestados de xenomorfos.
E o que fazia o space jockey? Não te contei, mas também haviam centenas de coisas que se assemelhavam a ovos ao redor dele. A pista é que, além do brevê do piloto, nosso amigo decaído também se arriscava como granjeiro. Brincadeiras à parte, o saber sobre os ovos ainda é misterioso, tanto para o espectador quanto para os personagens, que - como em todo bom filme de terror - pelo menos um deles vai ceder à curiosidade e enfiar a cara no objeto.
Confirmado, é um organismo larval e parasítico!
Então, a pergunta de um milhão de créditos: por que o jockey cultivava essas criaturas? Aí que entra o cosmicismo.
Em seu longo ensaio O Horror sobrenatural na literatura (1927), H.P. Lovecraft busca, sem pudor, por faíscas literárias do que poderia vir a ser uma gênese do seu tão precioso cosmicismo. Claro, a ficção científica ainda engatinhava à época, e a perspectiva em que Lovecraft buscava olhar para o cosmo a partir da literatura era por baixo. Contemplar o firmamento e imaginar o que está por detrás do pano de estrelas era como sua imaginação aterrava a ideia do cosmicismo, mesmo que já houvesse contos do próprio autor em que abordasse a exploração espacial, como no mais tardio Entre as paredes de Eryx (1936). Em Alien, durante a visita à nave de que estamos falando aqui, invertemos a perspectiva: agora os personagens veem o terror de frente. O exercício, potencialmente ainda mais danoso à sanidade mental, agora é de desafiar o que os sentidos experimentam, não o que podem vir a experimentar. Se um xenomorfo fez tanta bagunça, o que poderia resultar de uma colônia inteira deles?
O horror cósmico cai como uma luva.
Neste instante rápido de vislumbre, uma cena curta de exploração frente a um longa metragem focado na figura do xenomorfo e sua incursão gastronômica na Nostromo, o pavor do que “há além” ecoa, mesmo que quem estiver assistindo nunca tenha tido prévio contato com obras de horror cósmico. Imaginar que aquele ser, de uma proporção que o próprio Lovecraft chamaria por “ciclópico” esteja estendendo sua vontade enigmática pelo cosmo, é combustível o suficiente para uma paranoia que valeria pelo filme por si só.
Vontade, aliás, é a palavra de ordem. Enquanto os tripulantes da Nostromo repetem um ciclo capitalista de extrativismo por créditos como forma de trabalho em nome de uma companhia que não se contentou com mercados apenas no sistema solar, o choque advém quando contemplam uma criatura que participa de um ciclo totalmente diferente; aparentemente transcendente à oligarquia e focado em uma ciência e desejos que são muito distantes a humanos que não estão distantes assim da nossa realidade. o xenomorfo, por sua, vez, chamado de “organismo perfeito”, é assim compreendido por ser altamente eficiente em satisfazer seus desejos: alimentar-se e reproduzir-se.
Quem disse que o horror cósmico não é adaptável ao cinema?
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