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O sonho como elemento narrativo

Pedro













O Sonho de Jacó, por Gustave Doré
O Sonho de Jacó, por Gustave Doré, com a representação da escada ao paraíso, em La Grande Bible de Tours

Olá, leitor. Meu nome é Pedro e serei colunista na Revista Especular falando sobre fantasia, mas às vezes pincelando, aqui e acolá, assuntos como mitologia e horror.

 

Pensei e repensei qual seria o conteúdo da minha primeira coluna, até que a resposta se revelou quase como um sonho – quase, pois de fato, uma temática que não deixa meus pensamentos é o sonho.

 

Comecei, portanto, a conjecturar cada vez mais sobre este tema. Voltei meus olhos aos clássicos. Contemplar o que os antigos nos deixaram em forma de escrita sempre me ajuda a organizar pensamentos e criar uma linha de raciocínio quando surgem essas necessidades.

 

Neste intento, li até me deparar com uma passagem fenomenal, de um texto muito conhecido, que dormia silenciosamente em algum rincão esquecido da memória: a história no livro de Gênesis na qual Jacó sonha com uma grande escadaria que vai da terra ao céu e, nela, sobem e descem anjos.

 

Se refletirmos sobre, podemos claramente perceber que a imagem do sonho, em si, abre-nos a possibilidade de conectar o céu e a terra; os anjos são como mensageiros que, em meio às sendas oníricas, mantém correspondência entre os planos natural e sobrenatural.


Cria-se então a pintura ideal para minha inauguração: o sonho enquanto a abertura de um portal capaz de conectar os mundos e aproximar os humanos do divino.

 

Muitas outras narrativas primordiais, que têm o sonho como agente principal, poderiam ser exploradas, como a história de José do Egito, o intérprete de sonhos; ou de Enéas, herói da Eneida, que, através dos sonhos, comunicava-se com os deuses olímpicos.

 

Porém, como é mais pertinente aos temas que abordaremos, decidi avançar cronologicamente e averiguar quais são os desdobramentos modernos que orbitam a temática. Chegando em tempos mais recentes, gostaria que nos detivéssemos em duas obras para comentarmos um pouco acerca de distintas formas de se encarar os sonhos.

 

A primeira: “Alice no País das Maravilhas”.

 

Nesta obra, Lewis Carroll apresenta o que chamamos de “fantasia de portal” onde a narrativa começa em um mundo natural (igual ao nosso) e as manifestações fantásticas acontecem quando a personagem principal atravessa alguma porta mágica para um mundo sobrenatural, como é o caso quando Alice passa através do buraco do coelho.

 

Muitos lembram-se desta passagem e de diversas outras neste fabuloso livro (merece uma análise mais profunda em outro momento), mas as vezes nos esquecemos que, ao final da narrativa, Alice desperta e todas aqueles eventos que testemunhamos como o chá do chapeleiro, os conselhos de Absalom, a corrida com o dodô, o campo de croqué da rainha de copas não passavam de um sonho dela.

 

As várias imagens, personagens e momentos vividos por Alice neste sonho fantástico alcançam, a meu ver, uma dimensão mais introspectiva, mais do subconsciente e dialogam com esse que é um dos temas pertinentes para a época: o ser humano voltando-se para si mesmo.

 

Muitos são os estudos que buscam entender os elementos deste livro a partir da psicanálise freudiana ou ainda dos símbolos e arquétipos de Jung, mas para nossa análise basta dizer que o sonho é, nesta história, elemento central e que possibilita toda a narrativa se desenrolar.

 

A outra obra que gostaria de trazer para uma análise mais minuciosa é a saga “As Crônicas de Gelo e Fogo” e apresentar especificamente Bran Stark.

 

É, sem dúvidas, o personagem mais marcado pela dinâmica dos sonhos e, como temos vários capítulos sob seu ponto de vista, acompanhamos de perto sua relação com a dimensão onírica.

 

Bran recebe sua missão de atravessar a muralha e procurar o Corvo de Três Olhos através de um sonho; é por meio de um sonho que ele prevê a invasão de Theon Greyjoy e dos homens de ferro a Winterfell.

 

Sua ligação com os sonhos e seu desenvolvimento dentro da trama permite-nos compreender que Geroge Martin está carregando o tópico onírico, dentro de sua obra, com aspectos que remontam ao passado mitológico que apontei no início do texto; ele está conectando, através dos sonhos, seu personagem com uma tradição ancestral e dando a ele uma dimensão transcendente.

 

Muito mais poderia ser dito sobre esse riquíssimo tema a partir de muitas outras obras, mas por enquanto ficaremos com essas. Em uma próxima vez faremos uma leitura crítica sobre outros temas centrais para o debate fantástico. Será uma honra partilhar com vocês minhas leituras e alegorias. Até a próxima oportunidade.

3 comentários


Frederico Cavalcanti
29 de set.

Adorei a corrente deste rio textual! Não apenas o conteúdo, como também a forma de manifestar às ideias e a sua própria presença, foram marcantes e doces. Muito Grato de poder haver tudo está leitura! Parabéns! Paz e Êxitos!

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Volnei Freitas
Volnei Freitas
24 de set.

Pedro, escolheu um tema Secular que dialoga com a própria origem da fantasia! Parabéns, texto leve, fluído e abrangente.

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Éder
22 de set.

Um tema muito interessante para a estreia em sua coluna! Muito bom!!

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