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O Terror como escapismo











Olá a todos, como têm andado?


Em outras colunas, eu trouxe aqueles velhos questionamentos sobre as raízes do terror como gênero: Por que gostamos de terror? e Para que serve o terror?


Bem, se eu não encontrei nenhuma resposta satisfatória pesquisando, lendo, assistindo e ouvindo internet e bibliotecas afora, com toda a certeza que não seria eu quem iria cravar uma resposta definitiva a essas questões. O questionamento de hoje tem um sabor mais metalinguístico; em essência, gostaria de saber o porquê destes serem questionamentos tão abrasivos e em primeiro plano para os que se debruçam sobre o gênero.


Tudo bem, perguntas indiretas soam pomposas demais e acabam se mostrando confusas, mas já não consigo mais me apegar à pontos de exclamação para sanar algumas coceiras especulativas. Ainda assim, deixa eu te perguntar: Terror é um (bom) escapismo para você?

Imagina fugir deste mundo para o de Annabelle, cruz-credo. Espero que não nesse sentido.


Deixa eu elaborar melhor, então.


Recentemente, li alguns posts, artigos e vi vídeos que abordam o terror - principalmente o audiovisual - como escapismo. Senti, em primeiro momento, que parecia uma virada inteligente para os produtores de conteúdo nadar contra a corrente e apresentar o gênero como um “Belo Reino”.


Leia nosso artigo sobre o “Belo Reino" na coluna de Fantasia


E, de fato, é observável que o terror também serve de refúgio e, ainda mais, de escopo estético para indivíduos, grupos e ideologias. 

Falando do terror como refúgio e estética, penso logo de saída no movimento urbano gótico, e como ele abraçou uma estética que muito se aproxima das origens do terror, tanto em paleta de cores quanto no nome: a literatura gótica. Para esta questão, caberia (e seria mais apropriado e justo) um texto maior do que uma coluna a fim de tratar do alinhamento entre o estilo gótico (e também outras estilos e movimentos urbanos, como o punk) e a estética do terror, mas no cerne, há uma ligação forte, pautada pela ideia contracultural, entre os batons escuros, botas de cano alto e filmes e livros de terror. Isso para não falar na rica faceta política inserida nas culturas LGBTQ+, mas minha falta de conhecimento me pede refreio aqui.


Aqui, portanto, falamos sobre o terror como acolhimento.


Um post do Instagram que li no perfil da crítica de cinema Isabella Faria (@aisafaria) intitulado “O Medo como Política” também me deixou com a pulga atrás da orelha. Lá, ela aborda, principalmente, como “filmes de terror bombam em tempos de crise”. Em um insight elegante, ela argumenta que o terror é um reflexo da sociedade, e que há algo de “terapêutico” (palavras minhas) em ver e expurgar a própria crise e inseguranças, quando refletidas na tela. 


A reflexão é sólida, mas ainda não sinto que seja uma resposta completa.

Em outra mão, temos o terror no que vou chamar de forma pura, ou seja, o terror como recurso narrativo que causa tensão, susto ou repúdio. De forma efetiva, essa forma pura aparece em obras contando com o elemento da surpresa, ou seja, em obras que não são do gênero. Exemplos bons são tanto o conto do clássico As Mil e uma Noites “Ali, o Cairene e a Casa Mal-Assombrada” quanto o episódio “Turno Macabro” do desenho animado Bob Esponja (1999 - ). O terror aparece neles, no primeiro caso, como um dos tipos de história humana, pertencente ao cerne cultural humano; e no segundo caso, como uma quebra de expectativa advinda de um desenho infantil em que se esperam narrativas mais aventurescas. 


Cena do episódio “Turno Macabro” do Bob Esponja
Cena do episódio “Turno Macabro” do Bob Esponja

Não que não haja aventura em ficar com medo do famoso Zé do Picadinho.


Desculpe, mas não tenho resposta clara sobre o fato do terror ser ou não um escapismo, mas me incomodou o fato de que o gênero acabe sendo reduzido a isso: um reflexo das nossas ansiedades, ou um apuro estético representativo em termos contraculturais. Também  não quero direcionar a resposta para o terror como um mero instrumento narrativo que sirva de escada para produtos de entretenimento. Ainda assim, está circunscrito entre estas três coisas.


O que eu gostaria de saber, afinal,  é: entre levar sustos de forma segura e divertida (como em uma escape room) e sentir-se parte de uma identidade visual que mostra o dedo do meio para as convenções sociais (sem falar do refúgio para as crises globais), há algum elemento próprio do gênero terror que carregue sua identidade sem estar atrelado a outro sentimento ou ideia que lhe seja condicionante?


O terror só existe enquanto servir a outrem?

1 comentário


Volnei Freitas
Volnei Freitas
há um dia

Ótima reflexão, Matheus! Trazer ao debate os fundamentos do próprio gênero reflete-se na forma como podemos entender nossas escolhas narrativas e, a partir daí, como parte de nossa visão de mundo é construída. Aproveitando o debate e longe de querer reforçar uma das tendências apresentadas, é interessante destacar a ascensão dos filmes de terror em épocas de crise - lembrando que, de modo geral, tais estatísticas representam uma percepção majoritariamente estadunidense. Nesse estudo interessante sobre a popularidade de filmes em cada década, do dataviz Bo McCready (https://www.instagram.com/p/DNddwz5MYFr/?igsh=MzF1bXl3MGYybzU5), observamos um incremento constante a partir da virada do século, após um curto ciclo de estabilidade, provavelmente originado pelos ataques de 11 de setembro de 2001. Uma sensação que se manteve e que, pelo andar…

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