Com vidas tão preenchidas, em termos de informação quanto tamos atualmente, fica quase um movimento natural o ato de atribuir significado para tudo. A sensação de alguma coisa que foge do lastro de uma informação que funcione como um signo para qualquer outro fato, coisa ou pessoa, costuma causar uma perturbação difícil de explicar. Sabe aquela sensação de um amigo de certo grupo interagindo com um grupo distinto? Eu chamaria de algo como “Efeito festa de aniversário”. Acho que o termo se explica bem sozinho.
É uma sensação próxima a essa que senti pairando no ambiente de Sinais (2002). O filme, talvez por sua natureza de contexto espiritual (talvez de contexto religioso mesmo), seja, afinal, sobre a relação das pessoas com signos que rondam suas vidas. A terminologia do filme já entrega essas pistas da temática: o título em inglês, Signs, contrapõe-se ao que poderia ter sido, até de forma mais adequada ao tema, à palavra signals. Ambas representam “sinais”, porém sign é apropriado para sinais estáticos, enquanto signal marca os sinais transitórios, como acenar ou piscar, representando até mesmo, ondas de rádio. Quando disse que o segundo serviria melhor ao propósito do filme, me referi a seu conflito central: a Terra está lidando com uma visita de alienígenas.
Já podemos esperar um clássico tropo de alienígenas mandando mensagens misteriosas, ou mais a fundo, com intenções altruístas a um nível quase transcendental, como visto no longa Contatos Imediatos de Terceiro Grau (1977). Isso não acontece em Sinais. Os alienígenas não dispõem do mínimo pudor em deixar os seres humanos no escuro em relação às suas verdadeiras intenções para com a visitação massiva. Torna-se dever do garoto Morgan, interpretado por Rory Culkin, conduzir o raciocínio do público sobre o que os visitantes podem querer. O que eles podem acabar informando? Aí que os “sinais” entram em ação.
O que justifica a escolha de sign e afasta signal do título do filme, pode ser traduzido pela compreensão de Morgan sobre sinais evidentes, quase arquetípicos, que os alienígenas apresentam ao visitar algum lugar. Se os alienígenas fazem X, são pacíficos. Se fazem Y…
O ponto que torna filme tenso e assustador é, também, seu maior trunfo: não sabemos o que os alienígenas estão fazendo. Não os vemos. Não sabemos onde estão, tampouco como são. A família protagonista mora em uma casinha no interior rural dos Estados Unidos, onde mesmo para chegar em uma cidadezinha para comprar mantimentos, é uma pequena viagem. O filme, portanto, inicia-se com a família descobrindo danos em seu milharal, que mais tarde nos é revelado que são sinais sistematizados que ocorrem, de forma idêntica, em locais diferentes do país. A questão do filme, portanto, encontra aqui sua espingarda de Tchekhov, pois não é o significado que interessa aos personagens, em especial ao Padre Graham (Mel Gibson), mas a própria ideia do vandalismo do milharal ser algum tipo de sinal. Graham perdeu a fé em Deus depois de perder sua esposa, e isso o lançou sobre a percepção de que sempre viu Deus como um conceito significante, um signo de sua própria fé geral. Sinais não existem, logo, se o próprio sumo-signo nem mesmo existe, ou se existir, é indiferente ao que acontece abaixo dele. A perda da fé em Deus é a perda da fé em tudo para Graham, e o filme deixa bastante claro que isso é a ruína a longo prazo do personagem.
Com os signos sendo lançados no ar e captados pelos personagens ao longo de uma trama que se desenrola sem pressa, acabamos por descobrir as intenções violentas dos visitantes. A fazenda onde moram os protagonistas sofre um ataque direto, e uma defesa desesperada é a única solução. Nem preciso dizer que os signos fazem seu grand finale aqui, certo? Todas as ações dos personagens conduziram àquele momento, mesmo as mais simples, como deixar copos de água espalhados pela casa. Antes de falecer, a esposa de Graham disse palavras desconexas em últimos suspiros delirantes, que o próprio Graham disse ter sido uma reação natural do cérebro ao choque do acidente que ela sofreu. Na verdade, ali, ela se tornava o anjo da anunciação para a família que deixou para trás, pois suas palavras finais conduziram ao embate final do filme. Ou talvez, não, pois a saída já era bastante óbvia para aquele contexto, de qualquer forma.
Sinais, portanto, é uma obra que trabalha a importância dos signos para a vida a humana em seus termos psicológicos que se alinham à ideia da simbologia para Jung, mas também condiciona esses signos à representação da fé humana em um sentido religioso com viés claro, o que pode tornar a experiência de assistir o filme um tanto curiosa. Honestamente, eu me questionei se não tinha assistido a um filme de terror religioso esse tempo todo.
Sinal dos tempos?
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