Recentemente eu assisti ao filme Mad Max: Estrada da Fúria pela segunda vez, sendo a primeira lá em 2015 no lançamento nos cinemas. Não lembrava de muita coisa do filme, principalmente do seu teor forte sobre a privação do corpo feminino.
Para quem também não lembra, neste mundo pós-apocalíptico temos a imperatriz Furiosa fugindo com algumas garotas, que na verdade são consideradas as melhores parideiras do Immortan Joe, um tirano que detém a água e a gasolina para si.
Em Mad Max, há esse mundo dominado pela ganância masculina e em uma parte dele existe Immortan Joe e seus garotos rebeldes que dão a vida pelo pai, um ciclo que resulta de uma lavagem cerebral.
A questão é que para esses garotos de guerra nascerem mulheres são raptadas, abusadas e divididas em dois tipos: as parideiras, que conseguem nutrir uma criança até seu nascimento; e as geradoras de leite, que servem para amamentação.
Escrito por dois homens, o filme é uma ótima indicação de como se deve escrever personagens femininas, afinal há a revolução, a revolta, a repulsa. Há o grito. Elas deixam explícito, desde o início do filme, que não são coisas, sendo a fuga essa maneira de buscar pela liberdade de decidir sobre o próprio corpo.
Mesmo que sejam mundos distópicos diferentes, Mad Max e O Conto da Aia tem em comum exatamente essa busca pela liberdade de seus corpos, sendo o segundo um livro escrito por uma mulher.
O Conto da Aia é um livro asfixiante, desesperador, mas ainda tão necessário para a humanidade. Assim como Mad Max, O Conto da Aia também traz um mundo crível, muito possível de se acontecer – o que os tornam ainda mais sufocantes.
No livro escrito por Margaret Atwood, que já ganhou uma adaptação para série de TV, também há a privação dos corpos femininos, mas dessa vez pela religião. A igreja divide as mulheres em castas, sendo Aias as mulheres que têm como objetivo a reprodução. Elas não têm direitos, não têm opiniões. Servem somente para gerar uma nova vida para as famílias ricas que as escolhem.
Há muita reflexão a ser digerida sobre o que nós mulheres somos, o que conquistamos e o que ainda temos a perder. Para os outros, nós realmente somos apenas uma casca? Uma mente vazia que precisa ser preenchida? Uma tela em branco que necessita de um homem para virar arte? Somos um nada?
Por isso, é interessante conferir as duas histórias e perceber as suas similaridades – como também as suas diferenças. Entender – com tristeza – que o processo pela liberdade dos nossos corpos ainda é um caminho árduo que precisa de atenção e protestos constantes.
O Conto da Aia foi publicado pela primeira vez em 1985, o filme Mad Max: Estrada da Fúria, em 2015. Estamos em 2024 e, mesmo ao decorrer de tantos anos, ainda precisamos reafirmar e gritar pelas escolhas de nossos corpos. Quantos anos mais terão que se passar até entenderem que nossos corpos são nossos, e apenas nossos?
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