No dia 15 de abril, comemoramos o Dia da Arte. Esta que pode ser uma disciplina, uma área de conhecimento, uma prática, um lifestyle, um mecanismo cognitivo, uma terapia e outras mil e uma coisas. Mas, alguma vez você já entrou em um museu, olhou ao redor e não soube muito bem para onde ir? Ou já abriu algum livro que muitos chamam de clássico e não conseguiu entender uma única palavra? Por acaso, você já se sentiu deslocado com a Arte?
Bom, isso com certeza não é um problema, até porque em nenhum momento somos ensinados a como viver a Arte/Literatura. Tudo o que nos dizem é que devemos acessá-la, e que isso basta. Na verdade, essa noção já está mais do que ultrapassada. Porém, ainda assim, parece que o desconforto não sai, e o sentimento de fracasso toma conta; afinal, por que "muitos" conseguem ver aquilo que não vejo?
Por muito tempo me senti assim, principalmente com a Arte. E olha que falo de um lugar de extremo privilégio: graduando em Artes Visuais, desde cedo em contato com a poética e constantemente ouvindo aulas de História da Arte de minha vó. A verdade, no entanto, é que até mesmo nas situações mais propícias, a Arte/Literatura pode se esvair se estivermos olhando pela lente errada. Mas, afinal, como ver a Arte?
Alguns podem responder: Simples! Visite museus; leia mais; consuma os cânones. É... nesta lógica acho que voltaríamos para o começo deste texto, não? Longe de mim querer ditar uma forma única de se consumir Arte, até porque fui fruto destas estereotipias e me frustrei muito no processo; mas com certeza procuro tranquilizar aqueles observadores assíduos. Há Arte para todos nós.
O que os cantos de trovadores medievais falam sobre mim? O que as pinturas da alta elite europeia têm para me dizer? O que Matisse me conta? E Machado de Assis? Perguntas, perguntas e mais perguntas!
Talvez não possamos saber o que tudo isso, ou todos estes, têm a nos dizer. Mas e se invertermos a lógica? E se perguntássemos o que temos a dizer a tudo isso, ou a todos estes? Foi mais ou menos por aí que consegui me conectar genuinamente com a Arte/Literatura. Quando deixei de lado essa necessidade de buscar arte nos livros de história, ou a apenas enriquecer meu repertório através de autores que não mais estão aqui, pude me emancipar. E nada é mais Arte/Literatura do que a emancipação de um ser.
O que te faz livre? Quem fala com você? Talvez seus companheiros de jornada não estejam nos clássicos ou nos museus de cânones (claro que estudar e conhecer os clássicos é importantíssimo, mas isso é papo para outro conteúdo). Na verdade, seus companheiro de viagem podem estar do seu lado, ou perdidos em um website qualquer.
Nas Artes existe uma teoria que me agrada muito: a teoria da Cultura Visual. Quando falamos sobre Cultura Visual, afirmamos que interpretar o nosso redor é mais do que apenas entender o que nos cerca; é um processo em que damos significado a algo juntos, mexendo com o que a gente já viu e misturando com o que alguma vez já passou pelas nossas cabeças. Nesse sentido, nossas interpretações e concepções de Arte são moldadas pelo jeito que vemos o mundo ao nosso redor, e isso cria esses significados e essas ideias; essas pontes e esses bloqueios.¹
Talvez, muito mais do que apenas filosofar aqui, queria realmente convidá-los a se emanciparem. Se a Arte/Literatura lida com o sensível, e se "ser sensível" é algo do próprio ser humano, por que nos esforçamos tantos a bloquear o que é natural? Por que dificultar a linguagem e correr para o que, talvez, não seja nosso?
Somos mais do que capazes de construir nosso pensamento, nosso repertório e nosso museu imaginário com aquilo que genuinamente nos conecta. E, uma vez conectados, somos mais do que capazes de extrair a complexidade do que talvez, e a primeira visita, possa parecer meramente ordinário.
Pode ser que o mais legal de estar vivo é essa possibilidade de sempre crescer e repensar nossos companheiros de viagem. Nunca limpar, mas sempre repensar a curadoria do nosso nosso próprio museu. E isso, com certeza, é ver a Arte.
¹ MARTINS, Raimundo. Porque e como falamos da cultura visual. Visualidades, v. 4, n. 1 e 2, 2006.
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