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Quando um homem se torna um monstro?: A jornada de Odisseu entre deuses e monstros em EPIC

Foto do escritor: Nicolas R. AquinoNicolas R. Aquino
Nicolas R. Aquino











O que separa um homem de um monstro? Essa pergunta está no cerne da jornada de um dos maiores heróis da mitologia – se não o maior – Odisseu. Após a vitória na Guerra de Tróia, tudo o que ele mais desejava era voltar para sua esposa, Penélope. No entanto, não imaginava que se tornaria um peão na luta impiedosa entre os deuses e monstros.


Na Odisseia de Homero, uma das mais grandiosas epopeias da literatura ocidental, acompanhamos Odisseu em uma jornada de longos vinte anos, repleta de desafios, perdas e batalhas – tanto externas quanto internas. Talvez você, do outro lado da tela, não se sinta motivado a encarar esse clássico grego, mas ainda assim se interesse por uma aventura marcada por dilemas morais e pelo amor inabalável de um herói por sua amada.


Se for assim, não se preocupe. Basta abrir seu Spotify, Apple Music, YouTube ou até mesmo o TikTok para encontrar EPIC, um musical digno dos deuses que transforma Odisseu em um ícone pop de moral duvidosa.


Antes de nos aprofundarmos nos dilemas morais de Odisseu, enquanto aos poucos ele se transforma no monstro de sua própria história, precisamos entender as filosofias antagônicas que regem os acontecimentos de EPIC: a impiedade dos deuses e a misericórdia dos homens.


arte de Epic por @gabsyu.bsky.social
arte por Dino

Os deuses, imortais e inabaláveis, representam uma justiça cruel e inflexível, onde falhas não são toleradas e o destino é uma sentença inescapável. São representados como seres impiedosos e sem compaixão, seja na exigência de sacrifícios ou na imposição de desafios que testam os limites da resistência humana.


Em contrapartida, nosso herói, constantemente observado e colocado à prova pelas divindades, é movido pela misericórdia humana. Os homens, imperfeitos, possuem a capacidade de perdoar, mudar e demonstrar empatia, enxergando no erro uma oportunidade de crescimento e mudança. Uma ideia intolerável para divindades como Atena, Zeus e Poseidon.




Nosso herói, movido pela misericórdia dos homens, teve a sorte – ou azar – de atrair a atenção dos deuses. Por sua força e astúcia, tornou-se um campeão de Atena, mas isso teve um preço: sua humanidade foi colocada à prova. Assim, voltamos à pergunta que dá título a este texto: quando um homem se torna um monstro?


No primeiro arco do musical, "The Troy Saga", temos "Just a Man", música que narra o momento em que os deuses ordenam que Odisseu mate um bebê com a promessa de que, caso aquela criança cresça, se tornará um vingador que colocará a todos em perigo. Nesse momento, pela primeira vez, nosso protagonista se vê no limite do que separa o homem do monstro, mas o seu desejo de voltar para casa faz com que ele aceite a missão dos deuses e cometa o crime que irá assombrá-lo por toda a saga.


Seguindo sua jornada, nosso herói e sua tripulação chegam em uma solitária caverna próxima à Sicília, onde vive o ciclope Polifemo e suas ovelhas. Após matarem a ovelha favorita do ciclope, Odisseu e seus companheiros são massacrados pelo ciclope, responsável por matar Polites, o melhor amigo do herói. Esses acontecimentos são cantados em “The Cyclops Saga”, e é nas músicas “Remember Them” e “My Goodbye” em que a misericórdia de Odisseu, juntamente ao seu ego, são responsáveis pela sequência catastrófica que o leva ao patamar de inimigo direto do deus dos mares e dos terremotos.


Após um embate com o ciclope, Odisseu o cega. Atena o aconselha a não ter misericórdia e matar a criatura, mas o herói, orgulhoso, ignora a deusa. Antes de abandonar o monstro à própria sorte, brada aos quatro ventos que foi ele, Odisseu, quem o deixou naquele estado. Acontece que o ciclope Polifemo era nada mais, nada menos do que filho de Poseidon, que toma como missão acabar com a vida de Odisseu e fazer de tudo para que o herói não consiga retornar para casa. É durante a “The Ocean Saga” que vemos o deus dos mares encurralando Odisseu, em busca de puni-lo por suas ações.


Ambos os atos pavimentam o caminho de Odisseu rumo à sua "Darkest Hour", o momento mais sombrio de sua jornada. É o momento em que Odisseu se vê no fundo do abismo, onde precisa escolher entre sua humanidade e a brutalidade que sua missão exige. Esse ponto crucial, tão presente no arquétipo do herói, marca a rendição à escuridão como única alternativa para alcançar seu objetivo. É no submundo que Odisseu enfim abraça o "monstro" dentro de si, renunciando à misericórdia. Pois só assim ele será capaz de voltar para Penélope."


Após o encontro com Circe, a deusa feiticeira, Odisseu é guiado até o submundo para que tenha respostas. Chegamos a “The Underworld Saga”, composta por “The Underworld”, "No Longer You” e “Monster”, onde o herói fica cara a cara com todos aqueles que perderam a vida por sua causa e é consumido pela culpa. Na busca de uma forma de retornar para casa, Odisseu pede respostas ao profeta Tirésia, que diz:


"Eu te vejo à beira da morte. Eu te vejo tomando seu último fôlego. Eu vejo um homem que consegue voltar vivo para casa. Mas ele não é mais você."

Nesse momento, o grande Odisseu, responsável pela vitória em Troia, campeão de Atena, rei de Ítaca, se vê pela primeira vez incapaz de algo, incapaz de retornar para sua amada. É aí que ele percebe que algo precisa mudar, deixar o homem de lado e abraçar o monstro. Então Odisseu diz:


“Isso não pode continuar assim, eu preciso conseguir ver Penélope e Telêmaco, então se eu tiver que velejar por oceanos e praias perigosas, eu irei até onde Poseidon não possa nos alcançar e, se eu tiver que jogar outra criança de uma muralha em um instante para que nós não morramos, então me tornarei o monstro.”

É nesse momento em que morre o homem e nasce o monstro. Sabendo do que é necessário para voltar para Ítaca, Odisseu abandona sua bondade e misericórdia. Com sua nova filosofia, ele é capaz de aplicar a impiedade até à sua própria tripulação, escolhida para morrer pelas mãos – ou melhor, raios – de Zeus. Nada é capaz de parar o monstro, nem mesmo a vingança de Poseidon.


O desafio final de Odisseu é cantado em “The Vengeance Saga”. Ao chegar nas praias de sua terra natal, Odisseu é novamente confrontado pelo deus dos mares, sedento por vingança. No intervalo de cinco músicas, vemos o combate físico e mental entre herói e deus. Poseidon ameaça provocar ondas tão fortes que levariam Ítaca, junto a Penélope e Telêmaco. O deus só não contava que seu duelo não era com o herói dessa história, e sim com o monstro que ele se tornou para alcançar seu objetivo.


A sombra do que um dia foi Odisseu é capaz de derrotar o deus que pede por misericórdia, trazendo de volta as filosofias que guiam a narrativa de EPIC. Mas neste momento vemos duas criaturas impiedosas fechando um ciclo: o homem supera a entidade e alcança seu objetivo, mesmo que isso custe todas as noites de sono que terá pelo resto da vida. Pelo menos, Odisseu estará do lado de sua esposa.


Chegamos finalmente a “The Ithaca Saga”. Odisseu finalmente está em casa. Após vinte longos anos, reencontra sua amada Penélope. A música que encerra essa odisseia é “Would You Fall In Love With Me Again?”, a declaração de amor mais épica do século. Penélope não consegue acreditar que seu Odisseu voltou para casa, mas o próprio Odisseu acredita não ser mais o mesmo. Como seria depois de perder o que o tornava homem? Então ele canta:


“Eu não sou o homem por quem você se apaixonou. Eu não sou o homem que você uma vez adorou. Eu não sou seu marido gentil e amável. E eu não sou o amor que você conhecia antes…”

A jornada de Odisseu chegou ao fim. Ele não é mais o mesmo. Ele narra todos os crimes cometidos no caminho para casa. Ali, na frente de seu verdadeiro e único amor, o monstro se desfaz. A figura do homem que partiu da ilha para se tornar um herói é vista pelo coração de Penélope, que lembra Odisseu disso cantando:


“Eu vou me apaixonar por você, de novo, de novo e de novo. Não importa como, onde ou quando. Não importa quanto tempo passar, você é meu. Não me diga que você não é a mesma pessoa, você é sempre meu marido…”

O reencontro de Penélope e Odisseu fecha a jornada de um homem que se tornou um monstro para voltar para casa, um monstro que volta a ser um homem quando é visto pelos olhos de alguém misericordioso. Como dito anteriormente, os homens são imperfeitos e possuem a capacidade de perdoar e mudar. Assim, ao retornar para Ítaca, Odisseu não é mais o homem que partiu. Ele se tornou um monstro por necessidade, mas é através da misericórdia de Penélope que ele reencontra sua humanidade.

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