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Super-heróis e a passagem de manto

Nicolas R. Aquino











O universo dos super-heróis é marcado por um aumento no surgimento de novas personas dotadas de poderes especiais, descendências divinas, aptidão mágica e intercambistas vindos de outros planetas. Como já vimos inúmeras vezes, é esperado que, após alguns dias ou até mesmo poucos minutos em contato com a Terra, esses seres desenvolvam um senso de justiça e proteção em relação ao planeta. Em alguns casos, o senso desenvolvido pode ser o completo oposto e, surpresa, ganhamos um novo supervilão que sonha em subjugar a raça humana e dominar o mundo.


Acontece que, para cada nova figura superpoderosa que surge, outras cinco, dez, quinze ou até uma tropa inteira já existe exercendo a mesma função. Isso cria um certo senso de repetição e desânimo nos leitores, já cansados de acompanhar os mesmos personagens, com os mesmos poderes, rotacionando nos mesmos supergrupos, sem que aconteça uma mudança verdadeiramente significativa. É nesse momento que a passagem de manto se faz necessária.


Um dos fatores responsáveis pela popularidade de alguns personagens é o saudosismo em torno dos anos de história que foram acumulados com suas aventuras. Isso não necessariamente representa algo ruim; afinal, é graças a isso que gerações e gerações conhecem a figura do homem morcego e do amigão da vizinhança. Mas até os dois heróis mais populares do mundo passam por fases complicadas, nas quais a dupla por trás daquela aventura não consegue cativar os leitores, provocando desaprovação e saturação da figura em cena.


Quem nunca se incomodou com o fato de Peter Parker não envelhecer e sair da posição de herói adolescente? Ou o fato de Bruce Wayne nunca superar a perda de seus pais e continua adotando cada vez mais crianças que disputam o posto de Robin e Batgirl?

Em momentos como esse, os diretores editoriais responsáveis por esse universo — ou multiverso, se preferir — optam pela polêmica decisão de passar o manto daquele personagem para outro. Inúmeros exemplos podem ser citados aqui, como quando, supostamente, Bruce Wayne estava morto e o primeiro Robin, Dick Grayson, assumiu o manto de Batman, ou quando o até então vilão Sinestro assumiu o manto de Lanterna Verde, após Hal Jordan perder seus poderes de lanterna. Um exemplo mais extremo e que gerou muita revolta de alguns leitores na época foi quando Riri Williams assumiu o manto de Tony Stark, que estava em coma após uma luta infundada com a Capitã Marvel.


Os exemplos usados acima fazem parte de iniciativas editoriais que surgiram depois de uma fase de experimentações no início dos anos 2000. Após uma década, em 2011, os editores buscaram renovar e diversificar seus heróis e leitores, provocando mudanças nos times principais e introduzindo novos personagens. Essa época foi marcada pelos “Novos 52” na DC e pela Marvel NOW! na Marvel. Embora ambas as iniciativas sejam marcadas por mudanças que, arrisco dizer, geraram consequências com as quais as editoras lidam até hoje, o melhor exemplo para falarmos sobre o rito de passar o manto é a Marvel NOW!, que posteriormente se tornaria a All-New, All-Different Marvel.


Dando um breve contexto histórico: A iniciativa Marvel NOW! foi um relançamento da linha de quadrinhos da Marvel que começou em 2012, logo após o evento "Vingadores vs. X-Men". O objetivo era atrair novos leitores e renovar as histórias dos personagens clássicos, sem ser um reboot completo, como aconteceu com os "Novos 52" da DC. A Marvel reorganizou várias séries e equipes criativas, introduzindo novos títulos e reformulando personagens importantes. Isso incluía mudanças de status quo, novas equipes de super-heróis e até mesmo algumas trocas de mantos entre personagens.


Alguns anos depois, a Casa das Ideias passou por uma espécie de Marvel NOW! vol. 2 com a All-New, All-Different Marvel. Resultado dos eventos das "Guerras Secretas", o multiverso da Marvel foi totalmente abalado, resultando na fusão de várias realidades, como o universo Ultimate e o universo tradicional da Terra-616. Vale lembrar que, embora a iniciativa seja de 2012, ela chegou às bancas do Brasil com um certo atraso.


Poster de divulgação da All-New, All-Different Marvel

Como um jovem adulto na casa dos vinte anos, é de se imaginar que, no início da adolescência, eu estava buscando novos ares. Afinal, as telas de cinema já tinham me apresentado os superestimados Vingadores, algumas tentativas de X-men e as repetidas histórias de origem do cabeça de teia. Graças às bancas de revista, existia uma prateleira cheia de novas possibilidades. O ano era 2016, “Capitão América: Guerra Civil” estreava nos cinemas, e o jovem eu, defensor do time Stark, foi a uma banca e se deparou com uma das melhores capas de quadrinhos de todos os tempos:


Guerra Civil 2 vol. 4, onde um Homem-Aranha com traje preto e vermelho lançava o famoso escudo patriota contra seu portador. Aquela revistinha superfaturada de 68 páginas abriu meus horizontes como nerd de super-heróis.

Em um único quadrinho — que eu nunca comprei as continuações porque a mesada de adolescente não permitia — fui apresentado ao Capitão América (Sam Wilson), à Thor (Jane Foster), à Miss Marvel (Kamala Khan), ao Nova (Sam Alexander) e, claro, ao Homem-Aranha que estava na capa, Miles Morales.


Todos os mencionados acima faziam parte da equipe dos Vingadores da época. Além deles, no outro time, também fui apresentado aos Supremos e aos Guardiões da Galáxia — cujo filme eu não tinha permissão de assistir na época. Ambos os lados do conflito me apresentaram uma variedade de heróis que eu até poderia conhecer os nomes por conta dos filmes, mas que ali estavam sendo representados por outras pessoas, que não só eram infinitamente mais interessantes, como também representavam visões diferentes de um conflito que, ao contrário do cinema — protagonizado pela disputa de ego de dois caras brancos com algumas participações especiais —, trazia heróis e heroínas de diferentes etnias, idades e posicionamentos acerca da ideia de condenar alguém antes de um crime.


Ter sido introduzido oficialmente aos quadrinhos justamente nessa época de mudanças e tentativas de inclusão foi muito importante para o meu eu nerd leitor, que simpatizou desde o primeiro balão de fala com os jovens heróis que estrelaram a Guerra Civil. Jovens esses que, posteriormente, se rebelaram contra os Vingadores e seu sistema e revitalizaram o time dos Campeões, o que nos traz de volta ao tema central deste texto.


Nova geração de Campeões

Recentemente, a Marvel anunciou para 2025 a revista New Champions, trazendo uma nova formação para o grupo que conheci lá em 2016, fundado por Miss Marvel, Homem-Aranha e Nova. Os jovens heróis que conheci naquela época hoje são jovens adultos — mesmo que a questão de idade nos quadrinhos não faça muito sentido. Kamala Khan nem inumana é mais e hoje luta ao lado dos X-Men; Miles Morales só cresceu como Homem-Aranha com o passar dos anos e hoje é tão popular, talvez até mais, do que Peter Parker. Assim como aconteceu com eles, hoje são inspirações para novos heróis que, com certeza, serão a porta de entrada para novos leitores.



 Campeões da velha guarda

O mundo dos quadrinhos atualmente é, sim, marcado por uma repetição de heróis, como a presença de dois Supermen, sendo Clark Kent o símbolo de paz e esperança, e Jonathan Kent, seu filho, um símbolo para jovens ativistas e queer em todo o mundo. A Batfamília já conta com pelo menos cinco Robins que cresceram, assumiram novos mantos e inspiram os mais novos; Assim como Sam Wilson e Steve Rogers dividem o manto de Capitão América, ao mesmo tempo em que Aaron Fisher, um jovem gay que assume o manto para proteger sua comunidade, conversa com um novo público.




A passagem de manto no universo dos super-heróis transcende a simples renovação editorial ou o receio da saturação de personagens clássicos. Ela simboliza uma evolução tanto no mundo fictício quanto no real, permitindo que novos protagonistas tragam perspectivas e representações que seus predecessores não puderam alcançar. A chegada de novos heróis e a criação de narrativas diversas enriquecem esses universos, garantindo uma conexão mais profunda com diferentes públicos, mantendo viva a admiração e a relevância dessas histórias para novas gerações de nerds que, assim como eu e possivelmente você aí do outro lado, encontraram naquele herói a sensação de ser representado.

1 comentario


Gabriel Mello
Gabriel Mello
08 oct 2024

Eu sempre fui a favor dessa "passagem de manto", e lendo este texto só tenho mais certeza de que esse é um movimento inevitável. O fato de novos personagens, que são mais atuais e conseguem falar de forma mais direta com um novo público, poderem carregar "mantos" tão grandes é incrível. Um salve especial para o Miles Morales e para o meu queridinho Aaron Fisher.

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