Esta, é claro, é uma pergunta carregada de contradição devido à sua natureza óbvia. Do que mais serviria o terror, senão para causar medo? Melhor, por que precisamos ou queremos sentir medo?
Bem, tratamos aqui anteriormente, no artigo "Algum papel social para o terror" (leia o artigo aqui), como o gênero do terror nas mídias - principalmente a mídia que mais se aproxima de um público generalizado, o audiovisual - se encaixa e quais as questões que levam à sua desvalorização. Ainda que subapreciado, o terror é algo que encontra seu nicho e, de vez em quando, cativa o interesse de um ou outro de fora. Para buscar compreender melhor o efeito das narrativas de terror - ou com elemento de - o interessante é ir à superfície da questão quando se trata do consumo do gênero como se fosse uma droga injetora de adrenalina e perturbação automática, que cabe direitinho na máxima: “mas eu nem senti medo!”.
Para ser justo, voltamos à questão inicial do artigo. Mas talvez a legitimidade de uma obra de terror não seja sempre causar o medo de forma que o impacto extrapole os limites físico-midiáticos. Talvez uma análise de caso explique melhor, vamos lá?
Comecemos pelo tradicional: filmes e séries. É claro, quando escolhemos uma obra, seja romance, comédia, terror, drama, etc., esperamos que a narrativa típica do gênero nos cause algum impacto. Seria bastante contraproducente para "La La Land" se você não torcesse pelo “felizes para sempre” do Sebastian e da Mia. O filme ainda faz questão de brincar com nosso coração, credo. Bem, acaba sendo muito cansativo assistir a um filme de comédia completamente sem graça. Curiosamente, o próprio terror e a comédia acabam compartilhando uma característica em comum: o espectro emocional. Quantas vezes você já deu uma gargalhada sincera (de fazer a barriga doer mesmo) em um filme de comédia? Não te conheço, mas aposto que a proporção entre os filmes de comédia vistos e as gargalhadas pesa para baixo. Com o terror, funciona de forma semelhante: é natural que um ou outro filme já tenha te feito amassar um balde de pipoca de pura tensão, mas, a não ser que o gênero te afete pessoalmente mais que em relação à maioria, a proporção de medo e filmes assistidos também pesa para baixo.
O segredo para entender a pergunta-título deste artigo está na própria ideia do quanto o filme te afeta: o terror acaba se mostrando subjetivo. É claro, nossas reações fisiológicas tendem a padrões evolutivos razoáveis, mas no final das contas, você sente medo do que aprendeu pessoalmente a sentir. O estado do nosso humor, as condições do ambiente em volta (experimenta ver "Corrente do Mal" sozinho, no escuro e com o volume no talo) e nossa trajetória cognitiva são os principais fatores para construir a escalada de medo.
Nos videogames, a situação é mais evidente. O ambiente em que você está quando está jogando já pesa. O jogo rolando multiplica tudo às últimas potências. Se você decidir dar uma chance para "Dead Space" (2008), vai sentir o peso da pancada logo cedo, a premissa do jogo te diz que você estará isolado no espaço sideral, preso com criaturas grotescas que foram fruto do estudo dos desenvolvedores em corpos que sofreram acidentes. Bizarro.
O ambiente do jogo, podemos observar, tem um efeito duplo no jogador: criar uma atmosfera interativa de medo, na qual o jogador é diretamente responsável pelas ações e sofre as consequências; e em segundo lugar, potencializar o ambiente que cerca o jogador. Entretanto, esses fatores não garantem um estado de medo e tensão do jogador. O medo, como já dito aqui, é subjetivo. Às vezes, criaturas mutiladas e a solidão do espaço estilo "Alien" não assustam você. Contudo, a tensão do jogo, o gerenciamento de recursos e a satisfação do avanço de uma narrativa cadenciada te animam e engajam até o fim do jogo, com um gostinho de quero mais. Filmes também acabam funcionando assim. O apelo do status de cult que muitos filmes de terror “tipo B” receberam foi faturado em cima disso. Os filmes experimentais, geralmente com um baixo orçamento, são exercícios cinematográficos e estudos de temas, efeitos e histórias que não ganham espaço no circuito tradicional no cinema. A imersão nesses filmes acaba se mostrando mais árdua que o de costume, mas eles se aproveitam de sentimentos paralelos que florescem ao lado do terror em seus filmes, como o caso do subgênero “terrir”, que dá espaço para humor em filmes do horror, como em "Zumbilândia" (2009), ou em obras que exploram o nojo humano pela violência e fascínio pelo gore, como no controverso "Terrifier" (2016) ou na famosa franquia "Jogos Mortais" (2004 - 2023, por enquanto).
Literatura de terror, por sua vez, se aproveita da elasticidade dessa ideia do terror como paralelismo. Dificilmente seus batimentos cardíacos vão no pico quando ler um conto, mas o fascínio que uma leitura com um ritmo auto-imposto gera é único. Aqui, eu destaco o horror cósmico, que ganhou proeminência na obra de H.P. Lovecraft (1890 - 1937). As histórias de Lovecraft, em grande parte, encontram em seus principais personagens, cientistas ou estudiosos, que desenterram o horror lentamente, uma descoberta de cada vez em seus obsessivos estudos, vide a releitura de "Frankenstein" no conto "Herbert West - Reanimator" (1922) e na curiosidade mórbida do protagonista em "A sombra de Innsmouth" (1931). O pavor não é intenso e imediato, mas uma ideia incômoda e duradoura que se instala em suas ideias enquanto lê.
O terror, portanto, enquanto um gênero que sobrevive bem em multimídia, tende a trazer uma gama ampla de sentimentos e ideias que são - e foram - trabalhadas de forma mais interessante e legítima dentro do gênero, para muito além dos tradicionais sustos - popularmente chamados de jumpscares - ou de uma catatonia agressiva. O gênero dispõe de muitos caminhos e possibilidades para mostrar à humanidade do que ela tem medo, do que ela pode ter e, também, do que ela deveria ter.
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