top of page
  • Instagram

“Prédio Vazio”: Por um terror mais sujo








A essa altura duvido que para qualquer apreciador do gênero seja uma novidade o termo “pós-terror”. 


Uma certa tendência – supostamente contemporânea – do cinema de terror para descrever filmes que busquem uma “quintessência do mal”, que não dependeria mais de uma forma física, e sim alocado imaterialmente no subconsciente coletivo, no trauma. Algo sempre presente, mas nunca presenciado pelas personagens até então. A partir de filmes como A Bruxa (Robert Eggers, 2015), Corrente do Mal (David Robert Mitchell, 2014) e, mais recentemente, Pearl (Ti West, 2022) e A Hora do Mal (Zach Cregger, 2025),  o subgênero tomou conta da grande massa de produção hollywoodiana, tornando-se um ideal de padronização do gênero, enviesando a busca por uma mimética do estilo dos diretores que, hodiernamente, são mais conceituados.


Essa tendência que por si só é incongruente, afinal, como poderia ser o “pós” alguma coisa se sua estilística é percebida desde os anos 1960, em obras como A Hora do Lobo, de Ingmar Bergman? Ela traz uma relação hermenêutica com o cinema, dando ao espectador a tarefa de decifrar símbolos e códigos ocultos por detrás da imagem direta, cuja potência, nesse sentido, é sentida como insuficiente. Isso provoca uma complexificação da relação com o público, tornando a presença de filmes mais diretos como “obras menores” e o uso de recursos clássicos – a exemplo do jumpscare – como algo essencialmente ruim, óbvio, ou simplório. 


Prédio Vazio (2025)
Prédio Vazio (2025)

O complexo, porém, pouco tem a ver com o profundo, e o simples pode, através da confiança na imagem, dialogar ainda mais firmemente com o espectador, como faz o cineasta Rodrigo Aragão no seu recém-lançado longa-metragem Prédio Vazio (2025).

No filme, Luna (Lorena Corrêa), junta de seu namorado Fábio (Caio Richards), precisa ir atrás de sua mãe, Marina (Rejane Arruda), que desapareceu no carnaval em Guarapari. E, em matéria de história, trata-se estritamente disso, sem subtramas ou desvios, o filme se condensa em sua ideia central por 80 minutos para que possa trabalhar aquilo que realmente cativa o diretor: a imageria do terror. 


O cineasta de Mangue Negro (2008) e Cemitério das Almas Perdidas (2020) tem uma forte inspiração no cinema de José Mojica Marins e uma verve por tudo o que é sujo e profano, e faz questão de deixar tudo muito claro desde a primeira cena. De forma lenta e desconcertante, é apresentado o cotidiano de um casal idoso: A mulher que cuida de seu marido muito debilitado; a câmera, contudo, não se satisfaz nisso, ela nos mostra que algum incômodo se faz presente, algo que não pode ser visto quando se está prestando atenção, mas ainda habita o quadro, nos cantos, orbitando a visão periférica da mise-en-scène. Fantasmas (excelentemente trabalhados na direção de arte). Entidades cuja presença é explicitada desde a abertura. Não restando espaço para a ambiguidade, tornamo-nos agora espectadores da consequência.


Há ainda a figura central do Edifício Madalena, um prédio velho, cuja habitação só existe justamente no período das festividades do carnaval e, de resto, fica abandonado, sem nenhuma alma viva. A edificação opera diferentemente de tudo que a cerca, nela há mais cor, mais contraste, a luz e a sombra são mais intensas. Os dias e noites ganham contornos de vermelho, violeta ou verde. O prédio fora filmado a partir de uma maquete detalhada, com as nuvens ao seu redor sendo feitas de estofo de almofada, tudo para o tom certo de verossimilhança, mas mantendo uma artificialidade intrínseca da encenação. Todo o conjunto opera para que o edifício realmente parecesse algo dissonante, alienígena àquele ambiente, e, quando a câmera viaja por seus corredores, apartamentos e armários, estamos em um âmbito deslocado do espaço e do tempo comuns, num reino em que o imaterial pode se fazer presente.


O que, contudo, torna esse filme distinto daqueles que foram supracitados no primeiro parágrafo resido no tratamento estilístico pensado a partir de uma lógica de frontalidade para com o espectador. A crítica e pensadora Susan Sontag (1933-2004) defendeu que a obra cinematográfica só existe e pode ser compreendida a partir do estilo empregado pela direção e que o “conteúdo”, por consequência, está contido nessa forma fílmica que é apresentada diretamente aos olhos e ouvidos do espectador. 


Rodrigo Aragão, ao contrário do que se é produzido e distribuído em massa por Hollywood, busca a imagem frontal para poder dialogar com o espectador. Sem enigmas ou codificações indiretas, o filme abraça o artificial, o teatral e o exagero (não camp, mas certamente trash) para trazer o horror ao espectador na atmosfera, em seus planos incômodos, deslocados do eixo, nas atuações que pouco buscam te convencer de algum realismo, mas explorar o sofrimento físico e mental daqueles personagens através das figuras fantasmagóricas que habitam àquele prédio.


O diretor encontra espaço também para discutir sobre maternidade, os laços que unem uma mãe e sua filha, e o trauma (sim, esse é também um “filme de trauma”) da perda precoce de uma das partes, mas sustendo-se ainda num horror que se faz presente à imagem durante todo o percurso, colocando o dilema das três personagens principais a partir da dinâmica da morte e sua onipresença – física e temática – na macabra figura dos vultos, na lama e no sangue, visto que, nem as personagens, o espectador e muito menos o diretor podem ter medo de se sujarem, pois o terror advém da sarjeta, emergindo do bueiro.

No fim, trata-se de uma alternativa. O padrão só é possível pois tem seu consumo massificado mundialmente. 


Cabe à crítica e aos cineastas periféricos de romperem com a hegemonia e sua massificação (“terror bom não tem jumpscare” ou “terror bom é o que te faz pensar”) enquanto se mantiverem como tais. O primeiro diálogo do gênero se dá com o corpo, no arrepio que percorre a espinha, o coração palpitante e o grito advindo do espanto, sem receio de entregar a quem assiste o que ele quer: o medo. 


Isto não é uma regra, mas sim um dos cânones históricos da categoria. O terror pode ser tudo, menos covarde.

Comentários


bottom of page